Um Conto CaRioca-Leblonense, de Cleia Schiavo Weyrauch

Cleia Schiavo tem brindado este blog com artigos sobre a cidade e crônicas inspiradoras. Abaixo, mais uma de suas estórias bem-humoradas que ficam para a História do nosso Rio de Janeiro.

Urbe CaRioca

Um Conto CaRioca-Leblonense, ou, A Estória de uma Lagartixa Feliz

Nota fúnebre – Francisquinha 2019-2023

Francisquinha, minha lagartixa de estimação, morreu estupidamente com a chinelada que levou de uma ajudante nova, que não sabia do papel afetivo que ela exercia em minha vida.

Certamente já teria uns quatro anos de idade quando seu o tempo de vida previsto pelo Google é de oito anos.

Faz três anos, creio, que ela apareceu. Viveu fartamente à custa da minha despensa. Chegou a caminhar com dificuldade frente o peso adquirido! Mas, teve filhos e netos que passeavam durante a madrugada em toda a minha cozinha. Uma alegria só!

No início de sua estadia ela teve a ousadia de tentar dormir em minha cama. Pensei ‘que estranho’: seria ela uma lagartixa macho? Juro que nunca vi lagartixa subir em cima de cama alguma. Claro tive que expulsá-la, pô-la para correr.

Mas, devo dizer que em minha infância tive bastante familiaridade com lagartixas em casa de meus avós cuja moradia de roça permitia a entrada dos mais variados insetos. Coisas típicas em casa de um imigrante lavrador, vindo da Itália no início do século XX para a Zona Oeste do Rio de Janeiro, ainda Zona Rural oficialmente e na prática, terra da laranja, região por muito tempo conhecida como o Sertão CaRioca.

Dormíamos nós, as crianças pequenas, em cama de casal, arrumados, mais ou menos uns 4, deitados na largura da cama, de onde víamos a ciranda de lagartixas a circular no teto. Vez por outra uma delas caia sobre nós, quando gritávamos acordando todo o mundo! E como era difícil dormir depois!

Acostumei-me ao espetáculo. Aliás, pequenas cobras invadiam a cozinha. E já sabíamos o que fazer quando isso acontecia: enxotá-las para longe das nossas amiguinhas.

Francisquinha simbolizou a minha infância dura de trabalho no campo -pouco, todavia – quando a resistência e a coragem eram credenciais de sobrevivência.

Às vezes me pergunto porquê esses bichinhos que conheci na roça me adotaram na Zona Sul do Rio. Quem sabe pelo fato de o Leblon ser um bairro relativamente arborizado com algumas ruas que ainda mantém edifícios antigos, baixos, e que conserve no ar uma lembrança atávica do tempo em que gentes e animais conviviam com mais proximidade?

Agora, espero que a família de Francisquinha se recupere do luto, volte aos passeios que tanto alegram a minha casa e a mim, e que as pequenas continuem a outra tarefa também importante interrompida por um chinelo: livrar a minha moradia de moscas, mosquitos, baratas, aranhas e outros seres abaixo delas na cadeia alimentar.

Desde que não subam na minha cama!

***

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