Enquanto este Urbe CaRioca preparava um post com o título As Cidades Precisam Respirar, surge uma notícia desalentadora. O Governo Estadual vendeu um terreno situado no bairro do Flamengo, limítrofe com o Catete, que receberá um empreendimento residencial. A surpresa não foi tão grande, considerando decisão do então governador Sérgio Cabral em 2012 de colocar vários imóveis Próprios Estaduais à venda – o governo precisava fazer caixa – medida que comentamos em algumas das nossas postagens mais lidas (Vendo o Rio no Estado – Estudo de Caso – Botafogo, Quartel da PM, a Enorme Pequenez, e Adeus, Terreno do Batalhão, Adeus, Praças em Botafogo). Mas, o enorme terreno no Flamengo não estava na primeira listagem, e torcíamos para o assunto ser esquecido!
Trata-se do imóvel onde existiu a garagem de bondes da região, que mais tarde, se a memória não falha, abrigaria os ônibus elétricos – apelidados “chifrudos” – até sua igual desativação. As últimas linhas de bonde funcionaram até 1962 e 1963, restando hoje apenas os bondes de Santa Teresa – entre percalços. Os chifrudos, também chamados Trolleybus, duraram de 1962 a 1971, sendo a partir de 1967 apenas na Zona Norte
Situa-se entre as ruas do Catete, Dois de Dezembro, Beco do Pinheiro, e rua Machado de Assis. De início a oferta abrangeria também o belo prédio onde funciona o Instituto de Arquitetos do Brasil, que foi retirado do pacote disponível para o mercado imobiliário a pedido do IAB, preservando-se assim os belos prédios da antiga Companhia Telefônica Brasileira e da antiga Companhia Ferro-Carril Jardim Botânico.
Recuando no tempo verificamos que outros destinos foram previstos para o imóvel. Alguns deles:
O projeto de urbanização para o bairro do Catete e Adjacências, aprovado em 1947 (PAL 12773 PAA 18791) previa a substituição total do bairro, isto é, ao longo do tempo todas as casas, casarões, palacetes e prédios seriam demolidos para dar lugar aos edifícios baseados nos conceitos do Plano Agache – proposta de 1930 que tinha seus méritos, mas, o pior defeito, simplesmente ignorava a cidade existente, como se o Rio de Janeiro fosse um enorme vazio. As ruas seriam alargadas pelos recuos progressivos obrigatórios, os novos volumes construídos ocupariam toda a periferia das quadras – com profundidade em geral de 30.00m – mantidos livres os centros desses quarteirões para formar áreas coletivas e garantir a ventilação e iluminação nos fundos das construções. O mesmo modelo foi aplicado ao Centro, Copacabana e Botafogo, por exemplo: valorar terrenos dando-lhes maior potencial construtivo expressivo, promovendo o adensamento e o crescimento da metrópole com todos seus aspectos positivos e negativos. Nos últimos sobressaindo-se o descaso com a história urbana do Rio.
Em 1957 a proposta de alargamento da Rua do Catete incluiu galerias também à Agache. Apenas um edifício foi construído no modelo fica na esquina da Rua Almirante Tamandaré. O resto jamais saiu do papel (PAA 7064 PAL 21313).
Curiosamente, em Projeto Aprovado de Loteamento de 1968 (PAL 27293) a área, já da antiga Companhia de Transportes Coletivos – CTC, é designada como futura praça “conforme PAA 7994”, também daquele ano. A década coincide com a desativação do transporte por meio de bondes na Cidade, como citado.
Em 1970, ratificado o enorme recuo que levaria à demolição de inúmeros sobrados centenários em nome da “renovação urbana” e da passagem do Metrô – obra a céu aberto em tempo anterior ao “tatuzão” que deixou intactos Ipanema e Leblon (para esses bastou a ação do mercado imobiliário induzida por leis urbanísticas vantajosas), o projeto de alinhamento indicava ainda a entrada do Cinema São Luiz, quem sabe prevendo a permanência da sala gigantesca, ainda que as obras urbanas levassem a magnífica entrada monumental (PAL 28901).
Em 1984 o terreno foi designado como local do “futuro terminal rodoviário urbano” (PAL 10354), preservando-se os prédios das antigas Companhias Telefônica Brasileira e Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico, designação confirmada em 1988 (PAA 10601).
Esses projetos não foram adiante, lamentando-se apenas não ter prosperado a ideia de criar uma praça. Agora, recorre-se à mesmice de liberar outro empreendimento imobiliário em bairro saturado, enquanto algumas áreas remanescentes das desapropriações do Metrô, mais adequadas à ocupação, permanecem sub-utilizadas, e a Zona Portuária implora por habitação.
O projeto de loteamento feito sob medida para ofertar a área ao mercado imobiliário foi aprovado em 2011 (PAL 47942). A Lei nº 6938 de 18/12/2014, que autorizou a venda, inclui na lista o “Lote 1 do PAL 47855: Rua Dois de Dezembro, localizado entro os prédios nºs 63 e 71” e o “Lote 3 do PAL 47855: Rua Irineu Bornhausen (Governador), lado par, lado ímpar fazendo estada para a Rua Arno Konder (Diplomata), lado par fazendo esquina com a Rua Machado de Assis, lado par e testada também para a Rua do Pinheiro.”. Comparando-se os dois desenhos, vemos que o prolongamento da Rua Arno Konder – a essa altura adequado – também foi cancelado possivelmente em função do futuro empreendimento imobiliário: sem praça, e sem ao menos o traçado viário função de tantas perdas, será completado!
Do mesmo modo que perdemos o terreno do Segundo Batalhão da PM, em Botafogo vendido para a construção de mais um empreendimento imobiliário – onde um jardim ou a necessária praça seriam bem-vindos – perde-se outra oportunidade para criar um espaço coletivo, de preferência livre de construções e tratado adequadamente, atestando a mesma pequenez que guiou a venda do antigo Quartel dos Barbonos, interrompida pelas inúmeras crises políticas e econômicas, federais e estatuais.
As cidades precisam respirar. Infelizmente o modelo se repete à exaustão: sempre o gabarito.
Urbe CaRioca
Parabéns pela matéria. Penso dessa forma também. Sem falar que perderemos mais um corredor da fauna. 77 mi não é nada dentro do orçamento do estado. Só a folha salarial está em 1.6 bi. Abraços.