Vendo o Rio: Concessão do Jardim de Alah por 35 anos, a caminho

O Jardim de Alah: prefeitura planeja PPP para recuperar a área – Foto de Márcia Foletto

A Prefeitura do Rio deu início nesta terça-feira, ao processo de avaliação dos estudos para a concessão de uso do Jardim de Alah por 35 anos, conforme noticiado pelo jornal O Globo on line. A notícia informa que a licitação será lançada até setembro e, em troca de investimentos na revitalização, o vencedor da concessão poderá explorar espaço com bares, restaurantes, áreas para eventos e estacionamento subterrâneo.

Inicialmente, a notícia sobre a possibilidade de trazer novo vigor à área abandonada há tantos anos parece providencial, sem deixarmos de lembrar que o Jardim de Alah é não somente de uma praça pública, mas também um bem tombado pelo Município desde 2001.

Qualquer intervenção depende da aprovação do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro, o que é apenas um aspecto. O anúncio de que o cessionário terá à disposição “7.000,00m² da praça para desenvolver atividades comerciais” causa preocupação. Faz-se necessária a máxima transparência quanto aos projetos que eventualmente poderão ser avaliados e aprovados para a região. Atividades de apoio ao lazer e de dimensões reduzidas, como inicialmente foi previsto para a orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, não poucas vezes transformaram-se em ocupações de grande porte, com prejuízos à paisagem, aos usuários do espaço público, e desvirtuamento dos objetivos originais. Equipamentos para propaganda também são inadequados e, em muitos casos, inaceitáveis.

Vale ainda lembrar que a iniciativa não traz consigo nenhuma novidade quanto às pretensões da Prefeitura do Rio, já que, em 2019, a mesma divulgou o termo de referência para concessão do Jardim de Alah à iniciativa privada. No documento, a justificativa apresentada para adoção da medida era a mesma de sempre: a falta de recursos para investir e manter o espaço, constantemente tomado por pessoas em situação de rua e objeto de ações judiciais desde que funcionou como canteiro de obras da apelidada Linha 4 do Metrô, cujos resquícios continuam até hoje.

Urbe CaRioca

Jardim de Alah terá plano de recuperação pela iniciativa privada

Luiz Ernesto Magalhães – O Globo

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RIO – Inaugurado em 1938, com projeto em estilo Art-déco do arquiteto francês Alfredo Agache, o Jardim de Alah, localizado entre Ipanema e o Leblon, já foi um point da cidade. Na década de 1950, famílias se divertiam brincando de pedalinho nas águas do canal. Em meio a um cenário de abandono nos últimos anos — chegou a servir como canteiro de obras para a implantação da linha 4 do Metrô – o espaço de 85 mil metros quadrados terá um projeto de revitalização para tentar atrair mais frequentadores. A prefeitura lança até setembro uma concorrência para que a iniciativa privada explore a área. Quem ganhar o contrato, válido por 35 anos, terá que reurbanizar o parque, implantando vagas subterrâneas de estacionamento, mas mantendo a gratuidade de acesso ao público.

A ideia da prefeitura, ainda vista com reserva por moradores e frequentadores da área que dizem desconhecer o projeto, é que a área passe a servir de fato como uma área que se integre com a Lagoa Rodrigo de Freitas e os bairros do Leblon e Ipanema. Por isso algumas premissas já estão definidas. Uma delas é a construção de uma rua apenas para pedestres ligando as duas partes do Jardim de Alah. Com as vagas subterrâneas, as áreas que hoje servem de estacionamento seriam incorporadas ao parte.

O espaço também manteria uma área delimitada para o lazer de animais de estimação (”parcões”) que pode permanecer no mesmo local ou ser remanejado. Inicialmente, a prefeitura estima que a reformulação leve pelo menos 180 dias a partir da assinatura do contrato. As obras a cargo da iniciativa privada são estimadas entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões.

— Em contrapartida, o vencedor da concessão terá 7 mil metros quadrados da praça para desenvolver atividades comerciais além do espaço para estacionamento. Podem ser restaurantes, bares e áreas reservadas para shows e eventos pagos — explicou o secretário municipal de Coordenação Governamental, Jorge Arraes. — Será uma licitação de preço (valor oferecido à prefeitura pelo contrato) e técnica (o plano para ocupação do espaço), o plano final de ocupação será decidido na licitação — disse Arraes.

As orientações para o edital de concessão constarão de estudos desenvolvidos por dois grupos que por iniciativa própria desenvolveram planos para revitalizar a área, que serão homologados nesta terça-feira. O município decidiu que na modelagem incorporar as sugestões de duas propostas distintas. O primeiro projeto é da Magus Investimentos enquanto que o segundo reuniu quatro empresas lideradas pela Accioly Participações, do empresário Alexandre Accioly.

Arraes diz que o próximo passo será apresentar o projeto em audiências públicas. A prefeitura estuda implantar o modelo em outras áreas públicas da cidade.Um estudo está nesse sentido está sendo elaborado para o Parque da Catacumba (Lagoa).

A proposta não é consensual entre os frequentadores. Integrante do Grupo de Proteção ao Jardim de Alah, a gerente de projetos Karin Morton, lembra que em 2000, o ex-prefeito Marcelo Crivella chegou a anunciar um plano para revitalizar o espaço. A proposta previa que moradores da região arcariam com o custo de recuperar e manter o espaço, mas mantendo as características existentes. Na época, a estimativa seria que as intervenções custariam R$ 2 milhões:

— Isso foi pouco antes do início da pandemia, por isso, o projeto não andou. Ocupar o lugar com bares e restaurantes não é o que queremos. O que a gente quer são mais árvores, menos quiosques e respeito a um bem tombado O Jardim de Alah fica no entorno de um espaço residencial. Mais atividades econômicas vão gerar barulho e outros transtornos. Essa é uma área verde importante para a cidade, que merece ser recuperada, mas sem descaracterizá-la — defendeu Karin.

O economista Sérgio Besserman, por sua vez, vê a proposta com simpatia, embora seja contrário a implantação de um estacionamento subterrâneo, gerando trânsito na região. Para ele, isso não faria sentido, na medida em que uma das estações da Linha 4 (que leva o nome do Jardim de Alah) atenderia perfeitamente ao público que frequentasse o local.

— Há anos, o Jardim de Alah é um dos ativos menos usados do Rio de Janeiro. Toda grande cidade turística tem uma referência urbana, uma espécie de passarela pública. Paris, por exemplo, tem a Champs Elysée; enquanto que Nova York, a Quinta Avenida. O Rio não tem algo assim: o turista que vai a Copacabana, por exemplo, visita a área pela praia; e não pela Avenida Atlântica. O Jardim de Alah tem tudo para ser esse elemento ao servir de passarela ligando a Lagoa às praias de Ipanema e do Leblon.

Besserman avalia que uma reformulação da área para atrair mais gente seria importante para a localidade:

— O que provoca sensação de insegurança é que hoje não há atrativos que atraiam público e movimentem o local. Do jeito que está, o Jardim de Alah só serve como banheiro para cachorros. Independentemente do modelo de ocupação, um dos projetos esteja relacionado com a economia criativa (como artes cênicas, teatro e música ao vivo) — disse Besserman.

A presidente da Associação de Moradores do Alto Leblon, Evelyn Rosenzweig, é cautelosa ao avaliar o projeto:

— Minha família frequenta o espaço há mais de 50 anos. Infelizmente, o poder público jamais teve competência de conservar a área como ela merece: limpo e conservado voltaria a atrair frequentadores. Em princípio, acho a proposta muito ousada para um espaço residencial. É preciso que a população conheça melhor o projeto. Mas algo que já sou contra desde agora é a proposta de ter estacionamento subterrâneo. Estimula mais carros na rua quando o que se quer é o contrário.

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