Vendo o Rio – Jardim de Alah: Atenção !

O Jardim de Alah é bem tombado municipal desde 2001. Qualquer intervenção depende da aprovação do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro.

O que causa estranheza a este Urbe CaRioca – e nem deveria mais causar – é a repetição sem fim das mesmas justificativas apresentadas para venda ou cessão de determinados espaços públicos: a manutenção dos mesmos. Exemplo recente é a construção do futuro Museu do Holocausto no Morro do Pasmado.

O que aguarda o Jardim de Alah? Abaixo, notícia publicada no jornal “O Globo” nesta semana.

Urbe CaRioca

Sem dinheiro, prefeitura vai entregar Jardim de Alah à iniciativa privada

A ideia é ocupar a área com restaurantes e outros empreendimentos comerciais, mas moradores se opõem

Gustavo Goulart – 07/08/2019

Matéria publicado originalmente no jornal “O Globo”

Grades com ferrugem, buracos e lixo no Jardim de Alah – Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO – A prefeitura divulgou o termo de referência para concessão do Jardim de Alah à iniciativa privada, como antecipou Ancelmo Gois. No documento, a justificativa apresentada para adoção da medida é a falta de recursos nos cofres municipais  para investir e manter o espaço, constantemente tomado por pessoas em situação de rua e objeto de ações judiciais desde que funcionou como canteiro de obras da linha 4 do metrô.

Entre as premissas do edital estão: retirada de grades, a manutenção do espaço aberto ao público todos os dias (exceto se as condições de segurança não permitirem), a instalação de pelo menos quatro  câmeras de monitoramento bem como segurança privada (ou a contratação de PMs de folga)

Em troca da manutenção do espaço, incluindo a recuperação das áreas verdes,  a ideia da prefeitura é autorizar o concessionário a desenvolver restaurantes e outros empreendimentos comerciais na área, que poderiam ter no máximo cinco metros de altura. Elas seriam estruturas provisórias (efêmeras)  permitindo que fossem desmontadas, já que não é possível construções definitivas em praças.  Outras  possíveis fontes de receitas seriam as 199 vagas de estacionamento no entorno do Jardim de Alah, hoje exploradas pelo sistema Rio Rotativo e até o aluguel de embarcações de recreio no canal, com por exemplo o uso de pedalinhos.

A concessionária também poderia instalar painéis publicitários (em tamanhos delimitados pelo pré-edital) e mensagens virtuais para que usuários da praça acessem um sistema de wi fii a ser colocado pela empresa, se houver interesse da concessionária.  Todas as intervenções teriam que ser aprovadas pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural, órgão do próprio município, porque o Jardim de Alah é tombado.

”Considerando a limitada capacidade de investimento público em equipamentos como o Jardim de Alah, devido à realidade econômica financeira do município, a concessão da área para a iniciativa privada é uma solução viável para permitir uma maior capacidade de investimento, além de agregar outros benefícios como a redução do custo operacional para o município e a possibilidade de incrementar a arrecadação municipal, através de mecanismos de pagamento de outorga variável”, diz um trecho do termo de referência da prefeitura.

Ainda não há data para a licitação. Na verdade, o que foi divulgado é e uma espécie de pré-edital. Até o próximo dia 14, a população poderá apresentar sugestões a ser analisadas pelo poder público pelo e-mail “celproprios@smf.rio.rj.gov.br. O pré-edital informa que o vencedor terá um mês para reformar a  praça. Mas não informa o tempo da concessão.

Entre as propostas previstas no texto estão ainda a realização de pelo menos um e evento mensal  gratuito na praça. O projeto deverá prever a implantação de uma  iluminação cênica que valorize o projeto paisagístico; e poderá propor a implantação de novas travessias de pedestres sobre o canal.

Moradores da região tem dúvidas sobre o projeto. Uma das questões é que o pré-edital não prevê quanto tempo duraria a construção

– Qual o tempo da efemeridade? Um mês, um verão? Não há nenhuma menção  do horário de funcionamento, nem fala sobre tratamento acústico nem sobre o limite de barulho – questionou o designer Sérgio de Souza, morador da região.

O pré-edital divide a praça em oito setores. Cada um desses trechos teria regras diferentes de uso. Uma das exigências para os trechos mais próximos do canal é que não seja construído nada numa área no entorno do canal de dez metros de largura de cada lado.  Além disso, nada poderia ser erguido  em quatro  áreas entre as quais a    Praça Saldanha da Gama no trecho delimitado entre  a Av. Borges de Medeiros, Prudente de Moraes e o canal do Jardim de Alah; e o trecho da Praça Grécia entre Prudente de Moraes, Visconde de Pirajá, Borges de Medeiros e o canal do Jardim de Alah.

Na área conhecida como Parcão, usada para passeios com animais domésticos, está prevista uma construção efêmera com 50 metros quadrados e 4 metros de altura e pontos de alimentação móveis tipo carrocinhas ou food bike. Ali, está prevista a retirada das grades.

– Retirar as grades do Jardim de Alah será reduzir a atual área de recreação – comentou a médica Denize Faulhaber.

Na área A1, em frente ao clube Monte Líbano, está prevista a construção definitiva de três áreas de 500 metros quadrados com mais de 5 metros de altura, com atrações culturais, área de lazer, entretenimento, shows e restaurantes.

– A movimentação de caminhões de entrega de lixo de produtos e a coleta de lixo serão intensas – comentou Souza.

A privatização da praça pode ter sido a opção encontrada pela prefeitura para cumprir decisão judicial de junho do ano passado proferida pela 3ª Câmara Cível, determinando que os réus, entre eles o município, adotem providências para proteger e recuperar o Jardim de Alah. que havia sido cedido para servir de canteiro de obras da Linha 4 do Metrô. A praça foi devolvida totalmente descaracterizada e depredada. A decisão respondeu a um recurso impetrado pelo Ministério Público num ação cível movida contra o governo do estado, a concessionária Rio Barra, além da prefeitura e da RioTrilhos.

Na ocasião, o MP disse que as obras da Linha 4 foram concluídas, os canteiros de obras desmobilizados e as praças entregues à própria sorte. “De lá para cá, enquanto ações de improbidade e processos criminais envolvendo alguns dos réus e seus agentes nos desdobramentos da operação “Lava Jato” avançaram, com fortes indícios de superfaturamento bilionário nas obras da Linha 4, as praças, notadamente do Jardim de Alah, continuam em situação incompatível com seus atributos protetivos”,  alerta o agravo de instrumento interposto pelo MPRJ.

Em sua decisão, o juízo 3ª Câmara Cível sustentou que o patrimônio estava ameaçado por questões de ordem financeira.

A prefeitura do Rio divulgou proposta para concessão do Jardim de Alah à iniciativa privada. Na foto, área conhecida como Parcão, usada para passeios com animais domésticos Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

“O patrimônio histórico-ambiental encontra-se ameaçado por questões de ordem financeira, o que não se pode admitir diante da supremacia do meio ambiente como bem juridicamente tutelado”, diz a decisão, observando que a inércia dos réus em promover a restauração e a recuperação da área contribuía para o seu abandono e degradação. “Não havendo mais qualquer intervenção a realizar, nada mais impede a retirada de entulhos, a devolução dos bens tombados e a recuperação da área verde”, afirma o documento.

O último movimento do processo 0298264-42.2015.8.19.0001 data de 1º de agosto último. Nele, o juiz auxiliar da 1ª Vara de Fazenda Pública, Marcelo Matins Evaristo da Silva, manda que os réus sejam intimados para tomarem ciência de documentos anexados ao processo e dá prazo de dez dias para que se manifestem.

Moradores se opõe à mudança

Moradores do entorno e frequentadores do Jardim de Alah estão unidos numa jornada que já dura alguns meses desde que tomaram conhecimento da intenção da prefeitura de conceder o espaço, que é tombado pelo patrimônio cultural do município. Durante as Olímpiadas de 2016 segundo moradores das mediações da praça, a prefeitura construiu um deck na Praça Almirante Saldanha da Gama, a mais próxima da praia.

– Essa experiência não foi muito agradável para os moradores que vivem ali em frente. O deck era um bar que servia tira-gostos e havia música. Mesmo com o som não sendo alto, isso incomodou as pessoas que moram em frente. Imagina isso, a construção de equipamentos particulares em todo esse espaço. Estamos indo na contramão de uma tendência mundial. Em todo o mundo civilizado, a preferência é pela construção de praças e a plantação de árvores. Morei em Nova York e em Paris e sei do que estou falando. O Jardim de Luxemburgo em Paris é semelhante ao Jardim de Alá e é muito lindo e bem tratado – comparou a gerente de projetos Karin Morton, que mora em frente à praça Grécia na Avenida Epitácio Pessoa, próximo à Rua Barão da Torre.

Os moradores das imediações querem que a revitalização da praça passe necessariamente pela implementação de atividades lúdicas e que agreguem também a população da Cruzada São Sebastião.

– A gente não sabe qual o nível dos empreendimentos que serão construídos aqui nem qual o tempo de concessão. Na área A1, próximo à Lagoa Rodrigo de Freitas, onde hoje está um contêiner usados pela Comlurb, prevê-se a construção de um polo gastronômico. Será que os preços dos produtos vendidos serão compatíveis com a renda mensal da população da Cidade ? – perguntou Souza.

O presidente da Associação de Moradores da Cruzada São Sebastião, Reinaldo Jesus Evangelista, conhecido como Joe, acha que no local do polo gastronômico futuro deveria ser devolvida uma creche que existia ali e foi retirada para a instalação do canteiro de obras da linha 4 do metrô.

– Queremos a população ocupando o Jardim de Alah e voltando a usufruir da creche, que tanto faz falta a comunidade da Cruzada São Sebastião.

Procurada, a prefeitura ainda não respondeu. O Ministério Público também não retornou, ainda, para dizer qual foi o resultado da reunião com o procurador de justiça.

Justificativa para privatização é a falta de recursos para investir e manter o espaço Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

O grupo Amigos do Jardim de Alah, no WhatsAPP, conta com 89 seguidores. Pelo aplicativo, os moradores combinam ações de mutirão para a melhoria do estado do jardim. No fim de maio, por exemplo, eles se cotizaram e compraram saibro e um grande corrimão para refazer uma rampa de acesso a um dos dois trechos da Praça Grécia, que havia sido descaracterizada.

– O corrimão custou cerca de mil reais, que foram divididos pelos moradores. O saibro, outros mil reais. Uma loja da região forneceu a tinta. A prefeitura ajudou enviando pedras portuguesas e trabalhadores que refizeram o corrimão. Estamos sempre procurando nos mobilizar pela melhoria da praça – contou Karin Morton.

Ao lado de trechos com visível aparência de abandono, como grades enferrujadas, monte de terra, pessos em situação de rua, há flores plantadas pelos moradores das imediações e outras benfeitorias. Irani Fonseca, de 80 anos, veio para o Rio com 15 anos de idade e se recorda de um lugar especial

– Cheguei no Rio com 15 anos vinda do Espírito Santo. Isso aqui era lindo, com flores plantadas, um gramado verde maravilhoso. As pessoas tiravam o domingo para passear com crianças. Era uma maravilha. Até a água era diferente . Hoje em dia, a gente vê isso: mendigos fazendo sexo de tarde, como já vi ontem às 10 horas. A gente passa, tem que olhar para o outro lado para não acompanhar aquela tranquilidade, a liberdade dele. Enfim, está tudo abandonado.

Ela contou que já se feriu numa grade enferrujada e precisou de injeção.

– Acabei me descuidando quando estava com o cachorro e esbarrein uma grade enferrujada. Tive um corte numa perna e precisei tomar antitetânica – contou Irani.

Proposta divulgada pela Prefeitura para concessão do Jardim de Alah à iniciativa privada

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