Neste artigo publicado originalmente no jornal O Globo, Celso Rayol, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura do Estado do Rio de Janeiro, aborda a necessidade de reversão do processo restrito de comercialização do Centro da Cidade, diversificando os usos para que a região seja efetivamente aproveitada e valorizada por todos e, assim, revitalizada.
“É preciso que façamos um mea culpa para que erros não se repitam e acertos sejam revisitados. O debate é intenso e extenso, e a união dos mais diversos atores, públicos e privados, é necessária. Afinal, por que tantos projetos não conseguiram alavancar o Centro?”, questiona.
Urbe CaRioca
Por que voltar ao Centro?
Publicado originalmente no O Globo
Celso Rayol – Presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura do Estado do Rio de Janeiro
O carioca sempre teve o sonho de ver o Centro do Rio prosperar de novo. Cidades mundo afora têm em sua centralidade um polo próspero de emprego, moradia, cultura, lazer e turismo, e o mesmo queremos que ocorra por aqui. Porém a realidade atual é de esvaziamento, como mostram os números da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), que apontam uma vacância de imóveis na região de 45% em 2020, com tendência de alta. Alvo de inúmeros projetos de revitalização no passado, incluindo recentemente o Porto Maravilha, o Centro continua à espera de mudanças.
Com a expansão da cidade, o movimento de saída das pessoas da região central em direção a outros bairros ficou cada vez mais forte. Em 1976, com o Decreto Municipal 322, essa expulsão se agravou com a proibição da construção de moradias na área, decisão que só veio a ser revogada em 1994. Esse uso restrito do solo, associado às recorrentes crises econômicas da cidade, acabou por levar ao insucesso diversas das iniciativas de reformas passadas, resultando na degradação atual.
O que se apresenta hoje aos cariocas é uma região que existe apenas no horário comercial, de segunda a sexta. Não há vida de bairro de domingo a domingo. Por isso, trazer as pessoas de volta ao Centro é necessário para que haja uma mudança verdadeira e duradoura. Reverter o processo restrito de comercialização e diversificar os usos é essencial para que a região seja efetivamente aproveitada e valorizada por todos e, assim, revitalizada.
Um retorno das moradias ao local, principal proposta da lei Reviver Centro, propiciaria esse possível resgate da alma de bairro perdida, além de benefícios em termos de práticas de planejamento urbano sustentável.
A região central tem uma das melhores infraestruturas da cidade, significando um investimento preexistente na criação e manutenção de solo urbano e redes de transporte que deve ser aproveitado. Em enquete realizada pela prefeitura do Rio, 77,63% dos entrevistados disseram que não fariam uso de veículo particular caso morassem no Centro, o que mostra o potencial na redução do uso de carro na reocupação da área. Esses dados se alinham perfeitamente com a proposta da cidade compacta, cada vez mais defendida no desenvolvimento urbano sustentável. A proximidade ao local de trabalho e aos serviços do dia a dia reduz a necessidade de longas distâncias, diminuindo a emissão diária de carbono.
Na mesma enquete, questionados se teriam interesse em morar no Centro, 52,06% afirmaram que sim, mas diversos motivos foram apresentados por que não o fazem. Dentre eles, o mais citado foi a falta de segurança. A ausência de uma vida 24 horas nos bairros centrais deixa suas ruas esvaziadas, diminuindo o sentimento de acolhimento e hospitalidade urbana, gerando a sensação de insegurança que já é imediatamente associada ao Centro pelos cariocas. Em seu livro “Cidades para pessoas”, Jan Gehl explica bem esse fenômeno ao afirmar: “As pessoas reúnem-se onde as coisas acontecem e espontaneamente buscam outras pessoas”.
Nesse mesmo viés, com o retorno de uma vida de bairro, ultrapassando as horas comerciais, seriam reforçados os vínculos dos moradores com o lugar e, assim, sua intenção de cuidar dele e de valorizar o patrimônio. A reconversão dos edifícios comerciais em uso de moradia ou misto também possibilitaria a revitalização de diversas construções hoje deterioradas.
No fim, é preciso que façamos um mea culpa para que erros não se repitam e acertos sejam revisitados. O debate é intenso e extenso, e a união dos mais diversos atores, públicos e privados, é necessária. Afinal, por que tantos projetos não conseguiram alavancar o Centro? Como podemos pensar soluções que motivem as pessoas a morar, empreender e viver na região? O que é possível fazermos que ainda não foi feito? Precisamos fazer essas perguntas se queremos trazer de volta a alma carioca para essa região que significa tanto para todos.
Existe um ponto que não está sendo abordado nas discussões de revitalização do centro: a ausência total de projeto urbano para área. Nao se revitaliza cidades só com legislação, texto, é preciso desenho e (consequentemente) participação da sociedade. O projeto Porto Maravilha, iniciativa deste mesmo governo, também não possuia projeto urbano. Faliu. Tanto que nem faz parte do programa Reviver.
Prezado Rodrigo,
Obrigada pelo comentário, com o qual concordo. Infelizmente corre-se o risco de cometer o mesmo erro, entre outros. Tomara que possa ser revertido. Ab.
Um registro do centro do Rio na sua realidade atual. Parabéns!
Prezado Aldinazir,
Obrigada pelo comentário. O autor vai ficar satisfeito. Ab.