Ao Prefeito Eduardo Paes, de Reclamilda

CrôniCaRioca

 

Caro Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro,

Quem escreve é Reclamilda. Acredito que o senhor me conheça há tempos. Estive aqui várias vezes, especialmente no tempo das obras da falsa Linha 4 do carioquíssimo e original Metrô-Tripa, e das muitas leis urbanísticas duvidosas feitas “pra Olimpíada”, nas suas próprias palavras.

Meu nome de batismo faz parecer que só reclamo. É uma inverdade. Eu penso, pondero, dou conselhos – o que dizia minha tia, “se fosse bom ninguém daria, mas, venderia”. Batalhei contra o famigerado Peu Vargens e a mutilação da APA Marapendi pelo também famigerado Campo de Golfe dito ‘olímpico’. A esquisita lei para a Zona Portuária, os muitos gabaritos aumentados, os hotéis também ditos ‘olímpicos’ – muitos largados e já virando prédios residenciais fora do padrão dos bairros, como aquele blog atento e premonitório afirmou que aconteceria.  Parece que a tia querida tinha razão. O senhor nunca seguiu meus conselhos e continuou aumentando gabaritos Rio afora! Quem sabe se eu os vendesse… Os conselhos, não os gabaritos conforme o senhor gosta de fazer e refazer com a eterna mais-valia e com pseudo-operações interligadas.

Aos meus pedidos, ouvidos moucos. Mas, são águas passadas, não adianta chorar o concreto derramado. Hora de esquecer os annus horribilis, conforme diria a finada rainha da Inglaterra, e vir para 2023.

O Rio de Janeiro está abandonado. “Largado” é a palavra que mais se ouve. Pergunto-me o motivo. O senhor é ativo e dinâmico, workaholic, sabe-se. Conquistou o terceiro mandato… Será que se cansou? Ou prepara novos voos, Estado, Planalto… e esqueceu o seu berço político e a população que o escolheu de novo – fora o tempo na Vereança e no Congresso?

Antes que pense que reclamo, explico que esta cartinha foi feita a oito mãos. Convoquei minhas amigas Elogilda e Ana Lisa para debatermos o tema. Minha prima distante que veio passar as Festas e Férias aqui no Rio, Proposilda, uniu-se ao time. Somos um quarteto imbatível! Narremos aqui nossas providências, reunião e alguns diálogos.

Apesar de mais de duas semanas de chuvas que encharcam a cidade, passeamos bastante e constatamos que o que dizem, infelizmente, procede. Fomos ao Centro e a alguns bairros da Zona Norte e da Zona Sul. “Largado” até pelo sol!! Ou, melhor – pior? -, uma bagunça”, disse eu no início dos trabalhos.

Elogilda retruca. _ “O Rio é lindo sempre, até com chuva, diz. Olhe para o céu, para as montanhas, o mar”! _ “Está bem, digo eu, mas isso foi Deus quem fez, basta cuidar. E o que o Homem construiu? Largado! Veja a quantidade de fios embaralhados nos postes por todo o lado, seja Zona Norte, Sul e Oeste, feio e perigoso. Um pouco menos na Barra porque não deu tempo de enfeiar. Só não é assim na Zona Leste porque o Rio não tem Zona Leste”!

Ana Lisa pondera, apoiada por Elogilda: “Meninas, calma, o Prefeito já está cuidando disso, viram a propaganda”? Proposilda se manifesta: “Sejamos sensatas. Vamos dar crédito, esperar um pouco pelos resultados”.

Dos fios passamos ao Reviver Centro. Nada vimos revivido até agora. Alguns retrofits em andamento, muitas promessas, muita mídia. Gente que é bom, nada. A Avenida Rio Branco era um deserto no meio da tarde. Nas ruas antes coalhadas de pessoas indo e vindo, trabalho e comércio pujantes, calçadas engarrafadas por pedestres em busca do pão de cada dia, agora só um grande despovoado preenchido por moradores de rua, também lutando, ao seu modo, pelo pão de cada dia. Largados.

Elogilda diz que sou exagerada. _ “O Centro está lindo! Ah, como tem força o coração da nossa cidade! Igrejas magníficas, prédios art-decó, proto-modernos e modernistas, o trenzinho ‘pra olimpíada’ desliza feliz… e vazio, todavia”. Ana Lisa me contesta, _ “É cedo, as pessoas não se mudam de um estalo, suas vidas estão estruturadas em outros bairros, no Centro não tem escola, padaria, há muito por fazer para atrair novos moradores. Proposilda ainda não tem o que propor, Ana Lisa tem dúvidas: _ “Quem precisa chegar primeiro, os moradores ou a Padaria? Os moradores ou a Escola”? _ “Tudo ao mesmo tempo, como nasceram o ovo e a galinha, a galinha com o ovo dentro dela”, decide Proposilda!

No dia seguinte flanamos pela Zona Sul e – surpresa! – achamos o tal Reviver Centro! Estava lépido e fagueiro em Copacabana, Lagoa, Ipanema e Leblon! Catapultado rapidamente para os bairros mais valorizados do Rio! “Como aconteceu”? – perguntei.

Na reunião da tarde Ana Lisa explicou: _ “Às benesses urbanísticas e isenções fiscais para construir no Centro acrescentaram (sujeito indeterminado?) bondades para o mercado da construção civil – gabaritos mais altos, bônus nos índices construtivos. A Zona Sul está bombando, sai um prédio novo atrás do outro enquanto o Centro continua a passos de tartaruga”!  Elogilda protesta: _ “Parem de reclamar, o rapaz é bem-intencionado, não tem nada demais fazer uma leizinha contrariando outra lei que vale mais. Vejam quantos edifícios lindos e novinhos estão subindo! A vez do Centro vai chegar, quem viver uns 50 anos, verá”.

Nas caminhadas seguintes a sujeira chama a atenção. Quanto a isso vamos dividir responsabilidades. Se o senhor larga de mão, na outra mão tem o povo a jogar coisas na rua. A ser assim a brava Comlurb vai continuar ‘enxugando gelo’, como se diz no popular. Além de jogar lixo na lixeira, a população é responsável pela manutenção das calçadas que ficam defronte às suas casas e edifícios – um antecessor seu mandou há tempos. Mas, Prefeito, sinceramente, as outras calçadas que são de sua alçada cuidar estão largadas, esburacadas, um lixo, se me permite ser menos educada no palavreado. Que me perdoe, mas o lindo Centro está fedorento!

Proposilda propõe uma campanha e um mutirão de limpeza: _ “Primeiro a campanha educativa. Quando eu era garota o governo criou um personagem simpático e controverso, o Sugismundo. Nos dias de hoje temos que ser propositivos. Sugiro Caprichildo”. Elogilda aprova. Ana Lisa, certeira, diz: _ “Meninas, o Prefeito tem que dar o exemplo antes. Começar limpando e ele mesmo caprichando. O resultado visível respaldará a campanha a seguir. Se ele quiser, fará”.

Pois é, Prefeito, o senhor é capaz! Veja que coincidência: há mais de vinte anos esta Reclamilda que vos escreve enviou uma carta para seu antecessor e mentor, e pediu para dar um jeito nos túneis da cidade, em especial o Rebouças – o mais feio do mundo –, melhorar a iluminação e clarear as paredes. Quem diria que quase três décadas depois o aluno faria exatamente o que sugeri! Parabéns!

Haveria mais a tratar. Segurança, por exemplo, não existe, há só Insegurança. Triste a cidade que tem os títulos de Feliz, Simpática, Friendly, Patrimônio Natural da Humanidade, e onde se anda agarrada às bolsas e com telefones celulares escondidos. Não diga que é atribuição do Estado, por favor! O senhor sabe muito bem que pode ajudar de várias formas. Moradores de rua em profusão precisam de amparo. Pivetes e punguistas misturam-se àqueles, grassam. Daqui a pouco poderemos trocar o nome punguistas para telefonistas (só querem os telefones), pois o que era a profissão está em extinção! Telefonista em nova acepção. Proposilda, hospedada em Copacabana, diz que é impossível andar pelas ruas! Quem sabe o senhor faria uma caminhada a pé por lá? Quem sabe é hora de reviver a Fazenda-Modelo?

Evito me alongar e encerro com um assunto que, tal e qual o senhor, sempre volta: o Buraco do Lume.

Retorna a ameaça de surgir uma nova torre no Centro do Rio, justo o Centro que o senhor quer revitalizar e que está lotado de prédios vazios, quase fiz um oximoro! O senhor quer mais um prédio para ser comprado com dinheiro público como aconteceu com o antigo Hotel Serrador? Um pouco de História talvez ajude.

O desenho urbano da região – a esplanada criada quando o Morro do Castelo foi demolido, mudou várias vezes ao longo do século. Os planos mostram a intenção de que uma grande área entre o Convento de Santo Antônio e a Rua Primeiro de Março permanecesse livre. Teríamos um Central Park carioca, uma área verde de “respiro”, ligando sítios e construções históricas magníficos. Teria sido um alento, pois o símbolo mais importante – o Morro onde fora fundada pela segunda vez a nossa cidade, não mais existia. Pois bem, o que poderia ser um parque foi diminuindo, diminuindo, assolado principalmente pela presença do horrendo edifício-garagem com um terminal de ônibus – a pá-de-cal -, até ficar reduzido ao que hoje está lá apenas porque a construção no tal “Buraco” foi impedida em sucessivas gestões municipais. Ou, menor ainda seria. Agora é a sua vez de agir!

Pare com essas leis urbanísticas que fazem mal, reviva o Centro para valer, a começar deixando o Buraco do Lume bem tampado! O Rio agradecerá.

Que o senhor seja lembrado como Um prefeito de Alto Gabarito, e não O Prefeito dos Gabaritos Altos.

Respeitosamente.

Reclamilda, Elogilda, Ana Lisa e Proposilda

  1. Colocações para boa reflexão. Pena que os que poderiam seguir essa cartilha não querem se meter na roubada de candidatar-se a cargo público.

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