Mais um capítulo da polêmica sobre o autódromo que o prefeito do Rio pretende construir no bairro de Deodoro. Uma ação prenunciada há anos e que dizimará a Floresta do Camboatá, com suas 180 mil árvores de Mata Atlântica, e cujas consequências poderão atingir mortalmente a última possibilidade de manter uma parte do meio ambiente da região íntegro e capaz de trazer benefícios para a Cidade e para a população, sobretudo à área vizinha do disputado local.
Desta vez, uma inimaginável “audiência pública”, feita virtualmente, e que durou mais de 10 horas, atravessando a madrugada desta quinta-feira.
Confira detalhes na notícia publicada pelo site Uol Esportes e, ao final desta matéria, veja ainda outros textos sobre a questão.
Urbe CaRioca
Audiência pública dura 10 horas e tem só duas pessoas a favor de autódromo
Demétrio Vecchioli
13 de agosto de 2020
Matéria originalmente publicada no site Uol Esportes
Adiada diversas vezes desde março e alvo de intenso debate jurídico, a audiência pública virtual promovida pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Cema) para discutir a construção de um autódromo em Deodoro varou a madrugada desta quinta-feira (13). Depois de cerca de 10h, terminou quando já eram 5h. Cerca de 100 pessoas participaram remotamente, a partir de vídeo chamada, e só duas se se mostraram favoráveis à obra. Em suas manifestações, o Ministério Público Estadual e o Federal afirmaram que o projeto é ilegal.
A audiência é parte fundamental no processo de discussão sobre a construção de um autódromo na Floresta do Camboatá, em Deodoro, porque é a última oportunidade de a sociedade civil opinar sobre a viabilidade da obra. Nela foi apresentado e debatido o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), que agora precisa ser avaliado pelos técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), um órgão estadual. Ativistas, o MP-RJ e o MPF, porém, prometem uma longa batalha jurídica contra o autódromo em uma área de Mata Atlântica.
Inicialmente, a audiência deveria ter ocorrido em 18 de março, mas ela foi suspensa como consequência do avanço da pandemia de coronavírus. A empresa que venceu o edital de concessão do autódromo (concorrendo sozinha) e a prefeitura do Rio insistiram, ao longo dos últimos quase cinco meses, para que a audiência ocorresse de forma online. A novela parecia perto de um fim na semana passada, quando a prefeitura conseguiu uma liminar na segunda instância do TJ-RJ, mas a plataforma em que a audiência deveria ocorrer na sexta-feira (7) não funcionou.
Ela foi remarcada para ontem (14), começando às 19h. Em uma sala, estavam presentes o presidente da mesa e mais cinco pessoas que, na prática, defendem o projeto, incluindo o empresário JR Pereira, representante do consórcio, além do biólogo responsável pelo estudo ambiental e de um representante da prefeitura. Durante duas horas, essas pessoas defenderam a viabilidade do projeto, exibindo um vídeo em que pessoas identificadas como moradoras do bairro de Guadalupe, próximo à Floresta do Camboatá, se mostram favoráveis. O Ministério Público Estadual e o Federal tiveram dez minutos cada um, ambos defendendo expressamente que o projeto é ilegal.
Depois, em uma segunda etapa, foi aberto espaço para perguntas, que foram reunidas em grupos, uma vez que muitas eram parecidas. Já depois da meia-noite teve início a terceira e última parte da audiência, quando pessoas cadastradas previamente, que ficaram esperando por mais de cinco horas pelo zoom, tiveram direito a três minutos de fala cada uma.
Participaram principalmente biólogos e especialistas em meio ambiente, mas também moradores da área, que reclamaram da audiência acontecer de forma online, dificultando o acesso dos vizinhos da Floresta, que são, em grande maioria, pessoas de baixa renda, sem acesso à internet. Entre os muitos argumentos contrários estiveram questões técnicas ambientais e o questionamento da viabilidade do autódromo como gerador de emprego para os moradores do entorno.
A prefeitura alegou que, com o autódromo, a Floresta estará melhor preservada porque, sem a pista, não seria possível oferecer segurança para o terreno, que hoje é do Exército. A fala foi rebatida pelo Ministério Público Estadual, que disse que a cessão do terreno à prefeitura pelo Exército é condicionada ao autódromo. Sem ele, a Floresta continua com os militares, por eles protegida.
JR Pereira não respondeu perguntas sobre a viabilidade financeira do empreendimento. A obra não envolveria recursos públicos, mas o concessionário poderá utilizar 41% do terreno da forma que bem entender. Não consta no EIA/Rima o que será feito no terreno, e o empresário afirmou que o grupo não tem planos, ainda. Ele afirmou ser “fake news” que pretenda construir prédios para serem ocupados por militares, como publicou a revista “Piauí”. O repórter Roberto Kaz, que fez a reportagem, participou dizendo que tinha áudio em que Pereira conta seus planos de construir um condomínio. O empresário respondeu que faria jus ao direito de não responder.
Pereira também alegou ser informação interna para não dizer quanto a empresa pretende arrecadar com o autódromo e não respondeu os questionamentos sobre a origem do dinheiro para fazer a obra, citando apenas que, quando da eventual assinatura de contrato, apresentará as garantias financeiras exigidas em edital. Nas primeiras horas, entre 700 e 800 pessoas estavam online assistindo à audiência no Youtube. Durante a madrugada, esse número caiu para a casa de 200.
De todas as pessoas que participaram da audiência pública, só duas foram favoráveis à obra. O piloto de kart Alexandre Odo opinou que é possível conciliar um autódromo com o meio ambiente e avaliou que, sem a pista, o terreno será ocupado por sem terras e sem teto, como acontece no centro de São Paulo. Já um morador da região defendeu a geração de empregos com a obra.
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