Diário do Rio – O cinema Estação NET Rio e um paradoxo, por Andréa Redondo

Artigo de Andréa Albuquerque G. Redondo, publicado no Diário do Rio

 

Nos últimos dias tivemos outro episódio envolvendo a Prefeitura do Rio e o imóvel onde funciona um conhecido cinema carioca: o Estação NET Rio, localizado no número 35 da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, e que acumula dívidas de quase de R$ 2 milhões em aluguéis devidos ao Grupo Severiano Ribeiro, proprietário do prédio, segundo informações na mídia.

Diante da ação de despejo do que é considerado um dos ícones da Cultura no bairro e após intensa mobilização de moradores e frequentadores, o prefeito Eduardo Paes anunciou que iria fazer o tombamento do imóvel e da atividade do local para uso exclusivo como sala de exibição (O Globo, 23/11).

Cabe aqui relembrar que atividades comerciais, ou outras, não são passíveis de tombamento, como explicado à exaustão no Blog Urbe CaRioca. Seria mau uso do instrumento que pode, sim, preservar o imóvel e contribuir para a instalação de atividades compatíveis. Obrigá-las, jamais. Salvo a própria Prefeitura assumir a responsabilidade pela sua permanência e manutenção, hipótese improvável. Por isso, como ocorreu com o Cinema Roxy, o Decreto Rio nº 49814 de 23/11/2021 (DOM 24/11) não menciona a palavra tombamento, mas “Inscreve os estabelecimentos do “Cinemas de Rua do Grupo Estação” no Cadastro dos Negócios Tradicionais e Notáveis criado pelo Decreto nº 39.705, de 30 de dezembro de 2014”. Um curiosíssimo “considerando” merece reprodução:

CONSIDERANDO a relevância terapêutica e de cura psíquica através do regozijo individual e comunal da fruição da projeção de imagens em movimento, associadas ao som, à música e à narração de histórias, ficcionais ou não ficcionais, como pesquisas científicas vêm demonstrando recentemente;

O caso contém um caráter contraditório e paradoxal, pois, no fim de 2015, também à frente da gestão municipal, Eduardo Paes, na contramão do que agora apregoa, simplesmente “destombou” o Cinema Leblon, construção protegida pela primeira Área de Proteção do Patrimônio Cultural da Zona Sul do Rio de Janeiro, a APAC – Leblon, ignorando frontalmente os apelos de inúmeros grupos defensores da preservação de imóvel referência no bairro, e da memória urbana. O interesse do mercado imobiliário prevaleceu e encontrou respaldo na administração municipal que descartou pareceres técnicos contrários à construção de um edifício de grande porte no local, corroborados pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural da Cidade, contrário ao “destombamento”.

Após a notícia do possível fechamento do Estação Net Rio, seguida pela interseção salvadora da Prefeitura ao anunciar que publicaria decretos objetivando a preservação do espaço através do tombamento, houve uma ‘reviravolta’: por meio de nota divulgada na última quarta-feira, o Grupo Severiano Ribeiro informou que manteria o imóvel como uma sala de exibição sob sua administração, inclusive destacando que levaria “para Botafogo o mais moderno cinema de arte do Rio de Janeiro”.

A reação imediata do Grupo Severiano – pois, evidentemente o tombamento então não oficializado impediria o progresso de um novo e provável empreendimento no local – trouxe questionamentos. Adriana Rattes, uma das fundadoras do Grupo Estação, questionou por que “o Grupo Severiano Ribeiro que detinha três cinemas de rua, ícones na Zona Sul e hoje fechados – Roxy, Odeon, e Leblon – agora decidiu explorar um cinema de rua (…)?”.

Obviamente tentava-se uma solução intermediária que evitasse o tombamento, providenciado também de imediato pelo Prefeito. Ora, é direito do proprietário requerer, tanto quanto é obrigação do Executivo prover a cidade do melhor para a população, promover o bom urbanismo, incentivar a Economia e a Cultura. A equação é de difícil solução.

Os cinemas de rua infelizmente estão sistematicamente em extinção no Rio há décadas, realidade irrefutável agravada pela pandemia de coronavírus ainda em curso. Por outro lado, causa estranheza, de uma hora para a outra, o Chefe do Executivo eleger a Cultura como bandeira ao se utilizar de um decreto-relâmpago de tombamento do imóvel, se outrora a renegou e enterrou sob alicerces de concreto no coração do Leblon, e inscrever aquela atividade – específica e no local – no Cadastro dos Negócios Tradicionais e Notáveis, o que pode apenas induzir a permanência, mas nada garante.

Aguardemos um novo projeto imobiliário para o local que, com ou sem tombamento, virá, nele embutido o novo cinema prometido pelo GSR como foi feito no Leblon. 

Tal como o Cinema Roxy, o Estação continuará sendo cinema. Ou não.

*Andréa Albuquerque G. Redondo é graduada em Arquitetura, com Pós-Graduação/Especialização em Urbanismo. Criou o Urbe CaRioca, onde publica artigos e análises sobre leis de uso do solo e outras questões urbanas do Rio Foi arquiteta de carreira da Prefeitura.

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