Segundo reportagem publicada no jornal O Globo, hoje retornará à votação, na Câmara de Vereadores, o famigerado Projeto de Lei Complementar nº 174/2020, mais uma desfaçatez perante as tentativas de buscar boas normas de uso e ocupação do solo para a Cidade do Rio de Janeiro.
O tema foi destrinçado neste espaço urbano- carioca em diversas postagens, a saber:
o No Rio, a Justiça vacila ao não deferir liminar para obstar projeto de lei irregular em plena pandemia, de Sonia Rabello
o PLC 174/2020 – Recomendação do MPRJ
o 11 vereadores do Rio reagem contra o caos urbano e vão à Justiça para conter
tramitação irregular de projeto de lei, de Sonia Rabello
o Gabaritos: o fim do mundo urbano-carioca
o Notícias sobre o PLC 174/2020, mais um absurdo urbanístico no Rio
o PLC nº 174/2020 – Mais-valia, Mais-valerá, mais uma surpresa
o Mais gabaritos em meio à Pandemia: a grande mídia divulga
o Projeto de Lei Complementar 174/2020 é rejeitado por entidades profissionais
e associações de moradores
o Sempre o Gabarito: PLC nº 174/2020 – O que a nova-velha lei propõe
o Pandemia, a desculpa da vez – Sempre o Gabarito
Quando gestores públicos usam as palavras “flexibilização” e “flexibilizar” todos os sinais de alerta se acendem. O Dicionário Houaiss nos diz que ‘flexibilizar é “verbo – transitivo direto e pronominal – tornar(-se) menos rígido”. A palavra ‘flexibilização” lá não há. Temos flexão, flexibilidade, flexionado, flexionamento, flexionar, flexionável…
Todas as expressões carregam consigo a ideia de elasticidade, maleabilidade, em alguns casos até doçura. Da primeira nos interessa “propriedade de um corpo sofrer deformação, quando submetido à tração, e retornar parcial ou totalmente à forma original”. Aqui entra a questão das leis urbanísticas.
O que é flexível embute a possibilidade de retorno, como um bambu que flete ao sabor do vento. E volta.
As consequências das leis de construção, ao contrário, são permanentes – até uma eventual demolição, substituição, ou destruição involuntária. Estão no Rio há quase meio século dois enormes hotéis na orla de Copacabana que destoam do conjunto dos anos 1940/1950. Mais recentemente, novos hotéis, ditos olímpicos, também chegaram nos moldes dos primeiros, benesses urbanísticas especiais, novas marcas indeléveis em toda a cidade, algumas inaceitáveis, como no exemplo abaixo.
Outras nem tanto quanto à forma – como os edifícios da Zona Portuária – mas, até aqui um erro do ponto de vista da demanda. Não à toa o PLC pretende permitir a transformação de hotéis em prédios residenciais, pedra cantada por este Urbe CaRioca antes mesmo de os prédios serem construídos. Cabe observar que, a princípio, a autorização não atingirá os hotéis “pra Olímpiada”. Pura balela. Uma das emendas apresentadas prevê a edição de nova lei complementar específica para tanto.
As modificações que o PLC nº 174/2020 permitirá não terão volta. Serão andares a mais em todo o Rio, fora dos gabaritos de altura vigentes, mediante pagamento. Por exemplo, mais andares em volta das favelas – três na Região Administrativa da Barra da Tijuca (AP-4) e o gabarito máximo existente (não vigente, mas existente, note-se) nos bairros da AP-1, AP-2 e AP-3 (Centro, Zona Sul e Zona Norte, respectivamente).
O objetivo deste item é intrigante. Talvez queiram esconder as favelas. Se fosse para incentivar a construção civil em áreas desvalorizadas melhor seria tratar da segurança e deixar as leis como estão. A maioria dos artigos não terá aplicação, tal a confusa é redação e repleta de lacunas.
Outros são ineficazes ou desnecessários. Por exemplo, a transformação de apartamentos e dependência de zelador no andar térreo em unidades comerciais, onde as atividades serão as permitidas pela legislação. Ora, se houver atividades permitidas no local significa que ali salas e lojas também são permitidas. Bastaria uma adaptação arquitetônica e a evidente concordância do condomínio. Sem a necessidade de pagar à Prefeitura por isso. Seria apenas uma questão interna.
Outros aspectos estão em Sempre o Gabarito: PLC nº 174/2020 – O que a nova-velha lei propõe.
Talvez haja um único item razoável, com restrições: permitir serviços de hospedagem em ZE-1. Poderia ser benéfico transformar o uso de casarões existentes em pousadas, limitados o porte e número de quartos, e respeitados os parâmetros urbanísticos em vigor. Caso a estudar, lembrando que o Pacote Olímpico autorizou a atividade no Alto da Boa Vista.
De um modo geral a proposta é uma aberração. Quanto a “atender milicianos” como apontado pelo MPRJ e exaustivamente divulgado pela grande mídia, temos dúvidas. Ao que consta, as obras irregulares em invasões – feitas por milicianos ou especuladores em geral, inclusive em favelas – estão em áreas públicas, terrenos sem registro no RI, áreas de proteção do Meio Ambiente ou áreas de risco, não sujeitas à legalização. Que este blog esteja errado.
O PLC 174/2020 – que contraria até a Lei Orgânica do Município – tem endereço certo: a cidade formal, o mercado imobiliário e a legalização das coberturas que crescem sem parar.
Que São Sebastião proteja o Rio de Janeiro. Potencial construtivo não é bambu.
Urbe CaRioca
Muito bom, artigo!
É mais uma medida daquela categoria deixar passar a boiada!!! Como se pandemia por si só já não estivesse trazendo tragédias suficientes.
Que não passe esta aberração de projeto!