Conforme noticiado pelos veículos de comunicação nos últimos dias, imóveis alugados no Arco do Teles, no Centro do Rio, foram invadidos e destruídos por uma gangue de criminosos. O bando também tomou conta de grandes trechos de ruas como Teófilo Otoni e Visconde de Inhaúma, além da tradicional Rua Sete de Setembro. A ação dos marginais tem prejudicado o comércio local, amedrontando frequentadores e pedestres, além de obstaculizar projetos na região que são vitais para o desenvolvimento local.
O Arco do Teles é uma área repleta de construções históricas originais dos séculos XVIII e XIX e cuja importância é tão grande que foi tombada pelo Iphan como um ´Conjunto Tombado Nacional´, pelas suas características que trazem milhares de turistas a visitá-lo todas as semanas. Além disso, está localizada na área Central da Cidade que nos últimos tempos tem recebido aumento de potencial construtivo (gabaritos e áreas de construção) e isenções fiscais por parte da Prefeitura em busca de sua revitalização e aumento de condições atrativas, além da maior benesse de todas: bônus para edifícios a serem construídos na cobiçada Zona Sul do Rio de Janeiro.
Enquanto isso, o prefeito deveria articular as suas ações para extinguir essas invasões sucessivas e que se alastram pela região em vez de se empenhar arduamente em prol de um novo estádio de futebol visando beneficiar um time em específico, nas proximidades dos campos do Maracanã, São Januário e Engenhão, algo totalmente desnecessário e prejudicial. Fique o registro de que tal constatação não se atrela a preferências futebolísticas, nem é opinião exclusiva deste blog, mas se deve ao senso comum diante das verdadeiras demandas do Rio de Janeiro.
Se a Prefeitura foi capaz de buscar ajuda do governo federal para tantas outras iniciativas – Jogos Olímpicos, por exemplo – , por que não o faz novamente tendo como mote a recuperação de tantos e tantos imóveis abandonados ao longo de décadas no Centro que deseja reviver?
Urbe CaRioca
‘Gangue do Zarur’ destrói imóveis no Arco do Teles e espanta inquilinos de prédio com arma de fogo
Por Quintino Gomes Freire – Diário do Rio

Uma das regiões mais apaixonantes do Centro do Rio de Janeiro é o Arco do Telles, repleto de construções históricas originais dos séculos XVIII e XIX. Tão significativa é a região que foi tombada pelo Iphan como um ´Conjunto Tombado Nacional´, pelas suas características que trazem milhares de turistas a visitá-lo todas as semanas. Nas suas imediações, são de igual interesse cultural as ruaszinhas dos Mercadores, do Mercado, do Rosário e Ouvidor, estas duas últimas apenas entre a Primeiro de Março e o Boulevard Olímpico. Esta região veio abandonada até pouco tempo, quando o restauro da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores coincidiu com o renascimento do comércio local e com o advento dos programas Reviver Centro e Reviver Cultural, da Prefeitura.
Porém, não foram só os anos de abandono que ocasionaram a decadência e a destruição parcial do conjunto, que só nos últimos 2 anos praticamente perdeu dois incríveis exemplares de arquitetura oitocentista, que desabaram, chegando a interditar a mais charmosa via do Rio. A raiz do problema está na questão fundiária daqueles sobrados históricos, e também na chamada ´Gangue do Zarur´, apelidada assim pelos vizinhos por conta das fraudes perpetradas pelo ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia Dahas Chade Zarur – preso e afastado em 2014 – que assinava, sem respaldo, documentos fraudulentos simulando a venda de imóveis em todo o Centro e Zona Sul para comparsas de todo o tipo. Zarur morreu condenado, mas seus comparsas e parceiros de negócios continuam circulando por aí com seus instrumentos particulares de promessa de compra e venda, normalmente assinados com garranchos e até mesmo sem assinatura de testemunhas. A maioria jamais registrados, enquanto muitos terceiros que participaram das negociatas de Zarur se beneficiam dos aluguéis que deveriam servir às finalidades filantrópicas da Santa Casa, que hoje se recupera do maior susto de sua história de quase 500 anos.
Se na região do Saara, Zarur fraudulentamente dispôs de dezenas de sobrados – lojas comerciais – históricos nas ruas Senhor dos Passos, Alfândega e Buenos Aires, na região da Praça XV, muito menos extensa, o estrago foi bem mais representativo. O criminoso ex-provedor, cuja gestão deixou a Santa Casa em dificuldades das quais só agora tem conseguido sair vitoriosa, teria assinado documentos fraudulentos – e por vezes alegava, embora condenado, que as assinaturas eram falsas – e tentou repassar a comparsas e parceiros de negócios a propriedade de pelo menos 25% dos sobradinhos da chamada Pequena Lisboa (região entre a Praça XV e a Presidente Vargas, a Primeiro de Março e o Boulevard Olímpico). A instituição, que nos últimos meses já conseguiu anular contratos fraudulentos no valor de quase 200 milhões de reais, agora corre atrás do tempo perdido, e já retomou diversos dos imóveis que estavam em poder da gangue, que também ficou conhecida como ´Destruidora da História´, porque além de terem se arvorado como donos destes imóveis que são símbolo da civilização brasileira, o fizeram sem nenhum apreço por eles: estão todos absolutamente caindo aos pedaços. E alguns prestes a desabar.
Mas os destruidores da história são violentos. Recentemente, a Santa Casa conseguiu alugar o imóvel da Travessa do Comércio, 18, o antigo Dito e Feito, no coração do Arco do Teles, que estava vazio há anos. Após cerca de uma semana com o inquilino Arísio Santos fazendo obras e se organizando para abrir um bar, na tarde desta sexta-feira, adentrou o imóvel Pedro Henrique do Valle Thomaz, munido de um dos famosos documentos supostamente assinados por Zarur. O que ocorreu daí pra frente foi objeto de uma ocorrência Policial grave: Thomaz, que é dono de um pequeno restaurante e mora em São Conrado, invadiu o imóvel aos berros, e começou a quebrar tudo que via pela frente. Segundo o boletim de ocorrência, perante testemunhas, ele sacou de uma arma de fogo e, anunciando que o imóvel era “seu”, expulsou os inquilinos. A polícia foi acionada, e levou o nervoso cidadão para o distrito. Porém, estava acompanhado de muitos funcionários e na hora que a PM chegou, a arma vista por diversas testemunhas não foi localizada. O inquilino então tomou posse novamente do imóvel, mas na manhã seguinte, Pedro tentou novamente arrombar o imóvel. Toda a vizinhança presenciou o quiprocó; a reportagem esteve no local e os comerciantes do entorno qualificaram-no como desequilibrado, e atestaram que os imóveis estavam vazios e pertencem à Santa Casa. As Câmeras da Igreja dos Mercadores, a cujas imagens o DIÁRIO teve acesso, flagraram a invasão do imóvel por Pedro e o momento que entrou no prédio.
O interessante é que, tendo se passado mais de uma década das tentativas de venda fraudulenta de Zarur, o suposto comprador não providenciou a passagem da documentação para seu nome, e usufrui de isenções de IPTU às quais só uma entidade filantrópica teria direito. Os imóveis em geral têm matrículas recentes registradas em nome da Santa Casa ou não possuem RGI, embora os IPTUs estejam em seu nome. O documento em que se baseia, supostamente assinado por Zarur, é praticamente ilegível e cita que teria pago por alguns sobradinhos o expressivo valor de seis milhões e setecentos mil reais, há quase 15 anos atrás (atualizado, o valor supera os 10 milhões). Segundo fontes do mercado imobiliário, o valor é curioso. “Vendemos um sobrado em 2012 na Travessa do Comércio por cerca de 400 mil reais“, explica Wilton Alves, da Sergio Castro Imóveis. Todos eles estão caindo aos pedaços e, segundo vizinhos, não recebem nenhum tipo de manutenção, exceto pintura externa, há décadas. A maioria é alvo de autuações do Iphan. Um vôo de drone demonstra que o telhado de dois deles, rua do Mercado 19 e rua do Mercado 21, estão praticamente em ruínas. A Santa Casa, que consta como proprietária em Cartório, alega que não pode realizar obras pois não tem a posse dos mesmos. Pedro Henrique não foi encontrado para comentar. Fontes ligadas ao patrimônio histórico dão conta de que há mais de um ano tentam ingressar nos imóveis de sua propriedade, e ele jamais é encontrado.
Um outro imóvel objeto de documento assinado por Zarur é o prédio onde morou Carmem Miranda, o número 13 da Travessa do Comércio, que desabou. Está registrado em nome da empresa Arilucas Ltda., desde 2011, quando teria recebido o prédio da Santa Casa como pagamento de uma dívida. A Arilucas pertence a Alexandre Barreira, ex-advogado de Zarur e da Santa Casa, que havia conseguido condenar a entidade a pagar 127 milhões de honorários por 6 meses de trabalho na instituição, condenação recentemente anulada pela nova gestão da Misericórdia. A Prefeitura prometeu agir nos casos dos desabamentos do Arco do Teles, mas até o momento apenas escoras foram colocadas; o 13 deve centenas de milhares de imóveis de IPTUs atrasados. Há também o emblemático caso do antigo McDonald’s da Primeiro de Março número 20: este pertenceria, segundo a papelada assinada pelo ex-provedor preso, também a Pedro Henrique – o nervosinho supostamente armado – e é objeto de uma milionária ação em que o Iphan cobra mais de 2 milhões de reais de multas pelo estado de profunda destruição em que se encontra o imóvel, que divide um limite com a recém restaurada Igreja dos Mercadores, ocasionando infiltrações no bem histórico de 1743, tendo chegado a ilegalmente construir um andar a mais, ameaçando a integridade do templo. A ação tramita na justiça federal, sem previsão de solução, enquanto o bem se degrada.
Durante cerca de 3 anos, o Iphan havia modificado sua estrutura e trocado os responsáveis pela fiscalização do patrimônio cultural na região do Teles. Não deu certo. A destruição e o descaso tomaram conta dos prédios, enquanto os poucos proprietários que conservavam seus imóveis eram multados por coisas como limpar pichações e usar tipos de tinta impróprios para aquele tipo de edificação. Desabamentos ocorreram, e o órgão alegava sequer saber quem multar pela situação de ruína em que os prédios do trecho acabaram se encontrando. Uma verdadeira ‘ favelinha’ foi construída em cima de um prédio na rua do Ouvidor, entre rua do Mercado e travessa do Comércio. Mas há cerca de dois anos a região voltou a ser fiscalizada, e diversos imóveis começaram a ser restaurados, e ocupados por novos inquilinos, só que vai ser preciso muita luta e empenho de todas as esferas do poder público para colocar ordem e afastar os funestos efeitos da pandemia e da funesta atuação da gangue do Zarur, que mesmo após a morte do seu líder, continua a reverberar destruindo o patrimônio de todos os cariocas.