É de se comentar a reportagem “Choque Urbano” publicada no Jornal O Globo em 13 de dezembro, mal eleito o novo governo.
A venda de índices urbanísticos nos últimos doze anos – são exemplos as mudanças especiais nas leis de uso e ocupação do solo para alguns bairros, a renovação da “mais-valia”, a instituição da “mais-valerá”, a aprovação de um novo-velho Código de Obras, e a recente “mais-valia-valerá-vale-mais” – permeou as três últimas administrações municipais da Cidade do Rio de Janeiro.
Choca, de fato, a explicação sincera de que aumentar potencial construtivo é um modo de arrecadar recursos para os cofres públicos, sem pudor nem menção a respeitar as diretrizes impostas pelo Plano Diretor Decenal ou a adotar o bom Planejamento Urbano como guia. Fala-se apenas em aumento de gabarito de altura e de ocupação de área, o que, diga-se, também é gabarito.
O anúncio foi feito pelo futuro Secretário de Fazenda e Planejamento, que, como contrapartida pelos novos índices, pretende cobrar taxas pela aplicação do instrumento chamado “solo criado” e exigir a recuperação de áreas degradadas. Ao futuro Secretário de Planejamento Urbano coube dizer quais áreas considera que devam ser o foco daquelas operações.
É importante esclarecer que o “solo criado” estava previsto no Plano Diretor de 1992 e jamais foi regulamentado. Seu conceito não envolve aumento de gabaritos, mas, ao contrário, a redução desses a um índice máximo geral fixado para toda a cidade e correspondente à área do terreno onde se pretende construir, ou seja, IAT=1. O pagamento seria exigido para qualquer metragem a maior até o limite máximo definido pelas leis vigentes. A regra pode parecer complexa, porém é extremamente simples. Os gabaritos de altura e áreas máximas de construção continuariam a vigorar – sem aumentos -, passando o empreendedor a pagar pelo que pretender construir além do índice 1.
Resta saber se Executivo e Legislativo fariam a mudança que renderia recursos à administração evitando-se possíveis máculas aos bairros e à paisagem. Se os índices vigentes porventura estão inadequados ou ultrapassados devido à dinâmica da cidade, que sejam revistos como um todo na edição do futuro Plano Diretor. Jamais alterados apenas para serem vendidos.
Abaixo, a reportagem citada com os trechos referentes à mudança de índices, destacados.
Urbe CaRioca
Choque Urbano
Nova gestão diz que vai buscar parcerias e mudar regras urbanísticas para revitalizar Centro e subúrbio do Rio
Selma Schmidt – O Globo – 13.12.2020
RIO — A equipe da prefeitura que assume em janeiro começa a tirar da cartola ideias para recuperar as finanças do Rio e ainda revitalizar a cidade. O futuro secretário municipal de Fazenda e Planejamento, Pedro Paulo Carvalho, anunciou que serão incentivadas Parcerias Público-Privadas (PPPs) com o setor da construção civil, que poderá ser beneficiado com mudanças nas regras urbanísticas — como gabarito mais alto e maior área ocupada. A contrapartida seria o pagamento de taxa pelo chamado “solo criado” e a recuperação de áreas degradadas. E Washington Fajardo, que assumirá a pasta de Planejamento Urbano, defende que o foco dessas operações seja o trecho da cidade que vai do Centro a Realengo, passando pelo Porto, pela Avenida Brasil e por bairros do subúrbio, cortados pela linha férrea, pelo metrô e pelo BRT, que estão esquecidos pelas autoridades.
Outra frente nessa aproximação com o empresariado será a de conceder serviços e equipamentos públicos. Embora Eduardo Paes, que assume a prefeitura em 1º de janeiro ainda não tenha anunciado, o legado olímpico poderá ser incluído no rol de concessões que serão oferecidas. Entre os bens sob administração municipal, estão o Parque Radical, em Deodoro; a Vila Olímpica e a Arena 3, na Barra; e o Parque Madureira. O BRT Transbrasil, quando for concluído, pode fazer parte do pacote.
A privatização de estatais (empresas, autarquias e fundações) também está na mira da futura administração. Um terço das despesas (32,43%) da chamada administração indireta este ano (até 10 de dezembro) é custeado por verbas do Tesouro, conforme levantamento do gabinete da vereadora Teresa Bergher (Cidadania). Só 3,11% dos gastos foram pagos com receitas dessas estatais. O restante vem de outras fontes, como fundo de previdência, royalties e convênios.
O novo governo ainda não identificou estatais “vendáveis”, mas Pedro Paulo informou que duas poderão ser extintas: a Imprensa da Cidade e a Rio Securitização. Teresa Bergher, no entanto, entende que a melhor solução não é privatizar estatais:
— O primeiro passo é substituir apadrinhados por gestão eficiente. Aí, as coisas começarão a entrar nos trilhos. A Comlurb já viveu dias de apogeu, prestava um serviço eficiente e não dava prejuízo. Mas foi aparelhada.
Pedras no caminho
A solução de dois imbróglios é considerada prioritária pela administração Paes para estimular parcerias. Um deles implica em dar um desfecho à briga que resultou na encampação da Linha Amarela pela prefeitura, afastando o concessionário. No momento, o caso aguarda decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O segundo impasse envolve a PPP do Porto Maravilha: o atraso nos pagamentos, que deveriam ser efetuados pela prefeitura, levou a empresa Porto Novo a deixar de realizar serviços, tendo o seu contrato suspenso.
— O prefeito vai conduzir pessoalmente o caso da Linha Amarela, porque foi o ponto sensível na campanha para a cidade — conta Pedro Paulo.
Paes está aguardando um levantamento pedido à futura secretária de Transportes, Maína Celidônio, para tomar decisões.
Presidente da Federação de Indústrias do Estado do Rio (Firjan), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira vê com otimismo as intenções da futura administração.
— O que interessa são os serviços públicos que os entes oficiais precisam entregar à população. Por que a Comlurb precisa ser uma empresa da prefeitura? Basta ter uma agência reguladora e serviços competentes, que podem ser feitos por terceiros. O que precisamos é que o lixo seja coletado — diz ele. — O que o prefeito Marcelo Crivella fez em relação à Linha Amarela é um absurdo. Mandou uma retroescavadeira destruir a praça de pedágio, e, depois, rompeu o contrato. Mas os agentes econômicos sabem que o prefeito eleito vai se comportar completamente diferente.
O economista Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, também chama a atenção para a necessidade de haver segurança jurídica nos contratos. Ele destaca ainda uma boa regulação, que pode ser através de uma agência, como fator importante para os acordos prosperarem com autonomia técnica, jurídica e financeira. Ou mesmo um contrato detalhado, com eventuais disputas sendo decididas pelo Judiciário.
— O Rio tem um conjunto enorme de ativos que o município não tem recursos, nem gente, nem capacidade de gestão para assumir. Eles têm que ser pensados de forma criativa. Há, por exemplo, uma área portuária enorme, que foi semiabandonada pelo atual prefeito, e precisa ser revitalizada. Tem também potencial ao longo da linha férrea. O município precisa fazer ainda um conjunto de obras viárias e melhorar o sistema de transportes. Por que não fazer uma parceria com as concessionárias para ter como contrapartida a melhoria do sistema de transportes? — sugere.
De concreto, Pedro Paulo afirma que quer usar muito a construção civil como alavanca de desenvolvimento para a cidade:
— Fizemos muito isso nos oito anos que estivemos na prefeitura. Boa parte das nossas PPPs era para a construção civil. Há áreas que podem ser objeto de revisão de parâmetros urbanos para que a gente possa trazer investimento para a cidade.
Mercado quer opinar
O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Claudio Hermolin, diz que, embora considere a notícia animadora, o setor quer opinar na elaboração do modelo de PPP.
— As empresas do mercado imobiliário, efetivamente interessadas, ao serem ouvidas, podem contribuir para que a iniciativa tenha o máximo de sucesso — diz ele, acrescentando que se evitaria criar um modelo como o do Porto, que prevê a compra de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), encalhados em poder da Caixa.
Nos planos de Fajardo não estão os Cepacs. Ele defende a realização de minioperações urbanas voltadas para a chamada macrozona incentivada, definida pelo Plano Diretor da cidade, que inclui o Centro Histórico, o Porto, bairros da Leopoldina (como Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha), além de Pavuna, Coelho Neto e Inhaúma, entre outros:
— É área que tem os piores IDHs do Rio, mas que é bem servida por transporte de alta capacidade, o que facilita o deslocamento para a região central, grande concentradora de empregos. É também uma região de valor ambiental. É uma frente para a Baía de Guanabara. E tem no Porto uma ponta de lança desse grande território.
A intenção é identificar pequenos núcleos de atividades econômicas nessa região, com comércio e serviços e potencial de adensamento.
— Nesses centros de bairros, pensamos em fazer consórcios urbanos, onde a prefeitura ofereça solo com possibilidade de adensamento, para moradia acessível, requalificação de espaço público, aumento de área verde e recuperação de espaços cívicos. Tudo dentro de uma visão integrada — explica Fajardo. — Com esse modelo, podemos aliviar a pressão imobiliária sobre a Zona Sul.
Já o futuro secretário de Desenvolvimento Econômico, Chicão Bulhões, quer estimular a filantropia. Ou seja, trazer para o município um mecanismo usado com sucesso no mundo, o dos endowments (fundos patrimoniais).
— São fundos permanentes, com gestão técnica, profissionalizada, em que as pessoas fazem doações. O dinheiro é investido, e o resultado financeiro é usado em melhorias e manutenção. Trinta por cento do orçamento da Universidade de Harvard (Estados Unidos) vêm desses fundos — diz Chicão.
Nós a desatar
Concessão de via no aguardo de julgamento do STJ
A concessão da Linha Amarela está sub judice, aguardando julgamento pelo plenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de recurso impetrado pela concessionária Lamsa. Em setembro, o presidente do órgão, ministro Humberto Martins, decidiu pela encampação da via, e a prefeitura suspendeu a cobrança de pedágio. A Lamsa continua realizando serviços médicos, mecânicos e de manutenção estrutural da via.
Destino do Porto Maravilha é incerto desde junho
Há seis meses, a prefeitura contratou a SD Engenharia para a manutenção dos túneis da região. O contrato venceu. O município disse que, à época, adotou a medida porque a Porto Novo queria cobrar 155% a mais pelo serviço do que foi pago à construtora. A concessionária diz que a alegação “não procede” e que a PPP de 2010 tem prazo de 15 anos, embora tenha sido suspensa em junho. Hoje, a prefeitura cuida dos túneis.
Ação de 1999 questiona contrato da Marina da Glória
Em 1999, uma ação popular foi ajuizada contra o contrato de exploração da Marina da Glória, sob a alegação de que o espaço perderia sua natureza náutica: ser uma marina pública. Decisões de primeira à terceira instância determinam que a prefeitura reassuma o espaço. Mas ainda há recurso no STJ. A BR Marinas, que administra o local desde 2015, diz que fez investimentos de R$ 80 milhões.
BRT aguarda fim de obras e decisão sobre operação
Há dez anos, a prefeitura fez a primeira licitação para conceder os serviços de ônibus municipais, vencida por quatro consórcios. Compromissos para instalar ar-condicionado em todos os veículos, por exemplo, foram adiados. Os consórcios assumiram os BRTs, sempre superlotados e com algumas estações fechadas. O município avalia se a operação do Transbrasil, que ainda não está pronto, terá que ser licitada.