Cadê o ipê que estava aqui? Ou, medidas compensatórias realmente compensam?, de Roberto Bastos Rocha

Neste artigo, o arquiteto urbanista Roberto Bastos Rocha chama a atenção para a remoção de árvores, dentre as quais um ipê branco, vencedor de concurso e capa do Diário Oficial da Prefeitura. Um exemplar que foi capaz de sobreviver às adversidades do meio urbano durante quinze anos, mas removido em prol da construção do novo prédio do Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.

“Uma árvore cuja beleza foi reconhecida publicamente na capa do Diário Oficial! Quantas assim já eliminamos? Foi suprimida em função da nova construção? Apresentava condições inadequadas para a sua manutenção no meio urbano? Quem autorizou a sua supressão?”, questiona.

Urbe CaRioca

Cadê o ipê que estava aqui? Ou, medidas compensatórias realmente compensam?

*Roberto Bastos Rocha – Arquiteto e urbanista aposentado da PCRJ. Conselheiro do Conselho Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro – Consemac no biênio 2020-2022

O novo prédio do Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro será construído na Cidade Nova, na quadra ao lado do Centro Administrativo da Prefeitura, ali ao lado da estação de metrô do Estácio. Representa mais uma etapa na ocupação de área considerada degradada urbanisticamente no passado recente.

Observamos recentemente que numa das ruas dessa quadra, a Madre Teresa de Calcutá, foram removidas árvores ali existentes, dentre essas um ipê-branco que foi objeto de um concurso de fotografias da Secretaria Municipal de Meio Ambiente em 2013.

Na época, a imagem de sua belíssima floração sensibilizou os juízes do concurso e acabou conquistando seu primeiro lugar, quando até mesmo ganhou a capa do Diário Oficial da Prefeitura. Com base na data da foto, estimamos que essa árvore possuía 15 anos. Ipês são árvores de crescimento lento, mas com cerca de quatro ou cinco anos, esse já floria com exuberância.

Segundo o Plano de Arborização Urbana do Rio de Janeiro (PDAU Rio), todos os novos plantios de árvores da Cidade acontecem por meio das chamadas compensações ambientais; 85% são relacionadas à metragem quadrada das novas construções e 15% em virtude da supressão de árvores.

No segundo caso, a ideia é de que a remoção de qualquer árvore seja apenas concretizada com o compromisso de se plantar outras tantas visando mitigar esse impacto ambiental negativo. Essa taxa ficou (2010-2013) em torno de 12 mudas por árvore adulta suprimida.

Esse esquema possui um certo paradoxo. Quando se autoriza a supressão de uma árvore adulta por “atrapalhar” uma nova construção, se remove um organismo vivo que – gratuitamente – sequestra carbono, reduz ilhas de calor e enchentes, entre outros inestimáveis serviços que proporciona. Trocamos certezas por possibilidades.

A sobrevivência de mudas arbóreas numa cidade como o Rio de Janeiro não é elevada. Não há dados concretos, mas estima-se taxas de perda superiores a 40%, pela falta de manutenção, depredação ou doenças. As árvores da Rua Madre Teresa de Calcutá eram oriundas de compensação pelo aumento do volume construído ou de supressões arbóreas em outros locais.

Há 15 anos foi plantada – por meio de uma política pública municipal – uma muda de ipê que conseguiu sobreviver às adversidades do meio urbano. E, recentemente, ocorreu a sua supressão, dentre outras no mesmo local. Uma árvore cuja beleza foi reconhecida publicamente na capa do Diário Oficial! Quantas assim já eliminamos? Foi suprimida em função da nova construção? Apresentava condições inadequadas para a sua manutenção no meio urbano? Quem autorizou a sua supressão?

Alguém poderá dizer: – Mas haverá medida compensatória! É a “medida compensatória da medida compensatória da …”. Estamos num moto contínuo onde essas práticas foram banalizadas como regra e não exceção. A gestão da arborização urbana carioca deve considerar o amplo debate sobre supressões de árvores e suas respectivas “medidas compensatórias”.

Temos exemplos recentes no Instituto de Matemática Pura e Aplicada e na Tijuca que geraram revolta e busca dos tribunais pela sociedade e movimentos ambientalistas cariocas. Nosso prefeito já discursou num evento TED (2012) quando afirmou: “Toda vez que você pensa em uma cidade, tem que pensar verde, verde, verde”. Medidas compensatórias realmente compensam?

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  1. Roberto, você faz bem em denunciar essa prática – é um chamamento à responsabilidade de todos nós, cidadãos do Rio.
    Creio que só mediante a apropriação de todo o verde da cidade pela sociedade, de forma ativa e defensiva, é que se reduzirão as agressões muitas vezes gratuitas ou evitáveis ao nosso patrimônio ambiental.
    Talvez o Fórum Municipal de Árvores Urbanas possa ajudar a construir uma solução para o problema.

    1. Obrigado Luiz . Realmente somente com auxílio da sociedade poderemos avançar . A reativação do Fórum Carioca de Árvores Urbanas será um ótimo caminho para esse debate .

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