Após publicarmos posts sobre o projeto “MasterChef Brasil Nas Nuvens”, responsável pela instalação de um projeto gastronômico suspenso a 50 metros de altura às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, em área tombada que integra o Patrimônio Cultural da Cidade e da União, o IAB-RJ divulgou nota destacando que além de encravar na paisagem um restaurante içado por um guindaste, “é composto por enormes estruturas que impedem a visão do espalho d´água tombado e, ainda, obstrui o livre acesso à orla da Lagoa, caracterizando inaceitável apropriação do espaço público”.
“Para solucionar a interrupção da ciclovia, foi construído um desvio que contorna o espaço do evento, afastando usuários da área de lazer pública e gratuita e de seu maior atrativo que é a própria Lagoa”, acrescenta a nota.
Confira a manifestação na íntegra.
Urbe CaRioca
Nota do IAB-RJ sobre a ocupação das margens da Lagoa Rodrigo de Freitas para o evento “Masterchef nas nuvens”
O IAB-RJ vem manifestar sua preocupação contra a apropriação privada de espaços públicos da cidade, a exploração predatória da paisagem urbana do Rio de Janeiro e as interferências indevidas no patrimônio histórico e cultural que a todos pertence e solicita esclarecimentos e providências em relação aos princípios, critérios e contrapartidas adotadas de cessão pública desses espaços.
A situação que motiva esta manifestação se refere ao espaço construído às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas para o evento Masterchef nas Nuvens. Além de encravar na paisagem um restaurante com 24 mesas içado a 50 metros de altura por um guindaste, é composto por enormes estruturas que impedem a visão do espalho d´água tombado e, ainda, obstrui o livre acesso à orla da Lagoa, caracterizando inaceitável apropriação do espaço público.
Para solucionar a interrupção da ciclovia, foi construído um desvio que contorna o espaço do evento, afastando usuários da área de lazer pública e gratuita e de seu maior atrativo que é a própria Lagoa.
Ainda que não seja propriamente o foco da análise aqui, é impossível deixar de registrar que os preços cobrados para a “experiência” de se fazer uma refeição “nas alturas” serão acessíveis somente a uma pequena parcela da sociedade, o que reforça o caráter exclusivista do evento.
Chama atenção também o fato de se autorizar a grande estrutura metálica com o guindaste exercendo pressão sobre área frágil, criada por meio de sucessivos aterros, onde é necessário trabalho permanente de reaterro e recomposição da vegetação da orla da Lagoa. E, ainda, a infraestrutura de energia instalada para dar suporte ao evento que, assim como toda a intervenção, despreza o parque e a paisagem onde está inserido.
Por fim, cabe lembrar que aquilo que é chamado de evento apenas temporário, ficará permanentemente instalado pelo tempo da concessão, de janeiro a abril de 2022.
O caso da Lagoa Rodrigo de Freitas é emblemático, mas não é um isolado. O Parque do Flamengo está cheio de exemplos de interferências negativas. A cada dia mais tapumes e cercas delimitam extensas áreas do parque para usos privados. As intervenções temporárias na Marina da Glória se tornaram tão frequentes que já nem podem mais ser qualificadas como temporárias, pois apenas mudam de aparência. A orla das praias, em especial Copacabana, mas também Ipanema e Leblon são tomadas por todo tipo de elementos que de pequenos quiosques se transformam em verdadeiras construções, cada vez maiores, que poluem a paisagem, criam barreiras ao acesso à praia e restringem exageradamente a fruição do espaço público. A sanha de se apropriar da paisagem e dos marcos paisagísticos mais simbólicos da cidade para que sejam ofertados para quem pode pagar pelo acesso aos espaços controlados por grupos privados precisa ser contida.
O Plano Diretor do Rio de Janeiro define diversas áreas da cidade como “Sítios de Relevante Interesse Paisagístico e Ambiental”. Entre elas, estão a orla marítima, a Lagoa Rodrigo de Freitas, os parques naturais e urbanos municipais, entre tantas outras, apenas para citar aquelas em destaque neste documento. De acordo com a legislação municipal, projetos públicos ou privados nesses sítios estarão sujeitos “à análise ou avaliação ambiental estratégica pelo órgão central de planejamento e gestão ambiental, podendo ser exigido Estudo de Impacto Ambiental ou de Vizinhança e respectivos relatórios”. Para além disso, no caso de bens tombados, como são tanto a Lagoa Rodrigo de Freitas, como a Orla de Copacabana e o Aterro do Flamengo, é necessária análise técnica dos órgãos de tutela. Tendo em vista o impacto das intervenções isolada ou cumulativamente nesses espaços, é necessária urgente transparência e revisão dos critérios que estão orientando as análises técnicas que fundamentam a autorização das mesmas. As visões e prioridades consideradas pelas autoridades em relação aos espaços livres públicos do Rio de Janeiro quando permitem intervenções sobre eles devem ser objeto de inadiável debate na sociedade carioca.
Considerando as questões levantadas neste documento e, em especial, o caso do evento Masterchef nas Nuvens, o IAB-RJ reivindica que:
a) As autoridades municipais competentes e o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional publiquem, para o esclarecimento de todos os interessados, os pareceres técnicos que fundamentaram as licenças concedidas para a construção das instalações do evento Masterchef nas Nuvens e que demonstram que os impactos sobre o espaço público, sobre a paisagem e sobre o bem tombado não são significativos.
b) As autoridades municipais competentes informem as contrapartidas exigidas do evento Masterchef nas Nuvens, bem como os compromissos exigidos em relação à recomposição do parque, sua ciclovia e sua vegetação ao término do evento;
c) Não se autorize novamente, na Lagoa Rodrigo de Freitas, a obstrução da ciclovia e o acesso à orla para realização de eventos privados, a não ser situações absolutamente excepcionais em razão de segurança ou de funcionamento de eventos esportivos na Lagoa que exijam medidas desse tipo durante a atividade;
d) As construções, ainda que temporárias, em áreas concedidas situadas em “Sítios de Relevante Interesse Paisagístico e Ambiental” obedeçam a critérios urbanísticos, paisagísticos e ambientais fixados em “Plano de Gestão” próprio de cada sítio, tal como previsto no artigo 133 do Plano Diretor em vigor;
e) A previsão de elaboração de Planos de Gestão tanto para Áreas de Proteção do Ambiente Cultural – APACs, como para Reservas Arqueológicas, Sítios de Relevante Interesse Paisagístico e Ambiental e outras áreas protegidas seja incluída no PL 144 de revisão do Plano Diretor não apenas como possibilidade, conforme consta no artigo 133 do Plano Diretor em vigor, mas como obrigação para a boa gestão dessas áreas.
Instituto de Arquitetos do Brasil
Departamento Rio de Janeiro
Janeiro 2021
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