Amanhã o carioca escolherá entre O Esperto e O Esperto. Do ponto de vista urbanístico a escolha é simples: tanto faz. Vejamos.
Um deles elaborou e aprovou um Plano Diretor quase inócuo para cumprir obrigação administrativa. O conjunto de artigos e tabelas consiste, na maior parte, em apenas diretrizes que serão ou não cumpridas. Via de regra não o são. Nem por isso é inofensivo. A inserção de uma frase discreta – O território municipal é urbano – era a brecha para que futuras mudanças nas leis de Zoneamento da cidade incentivasse a ocupação de regiões hoje com baixa densidade populacional. São bairros nos quais ainda predominam as características da antiga Zona Rural, onde ainda existem empreendedores que produzem hortifrutigranjeiros e da floricultura.
Não é coincidência a pressão contínua pela liberação de gabaritos de altura e tipologias de edifícios em Guaratiba e regiões vizinhas exercida pelos valorosos agentes da indústria da construção civil, aqueles empreendedores que fazem só o que os gestores públicos permitem.
Quanto ao aumento dos índices construtivos em relação ao Plano Diretor de 1992, o PD 2011 foi menos discreto e mais efetivo. Com o mote “Pra Olimpíada” fez a festa espalhando pela cidade novas benesses além das concedidas para hotéis e para construir na Região das Vargens por leis específicas da mesma gestão.
Para esse Esperto ainda foi pouco. Restaurou a “mais-valia” que seu antecessor havia abolido e instituiu um filhote da malfadada lei quase eterna, a apelidada “mais-valerá”. A nova lei perniciosa permitiu construir em desobediência à norma urbana vigente mediante pagamento antecipado, em espécie. É como se fosse admitido pagar multas antecipadamente e atravessar sinais de trânsito fechados.
Deixemos de lado outros capítulos inaceitáveis como o caso do famigerado Campo de Golfe imobiliário, o falso Parque Nelson Mandela, o destombamento do Cinema Leblon, e a ciclovia que matou a paisagem e pessoas. Inês é morta.
O outro Esperto deveria ter iniciado os estudos para revisão do Plano Diretor a ser aprovado em 2021. Ao invés de contemplar a cidade como um todo preferiu dar continuidade à “mais-valia” e à “mais-valerá” para, em seguida, criar o que podemos chamar de “mais-valia-valerá-mais”, permissão para construir em todo o território municipal de forma generalizada contrariando a norma vigente. Índices urbanísticos, gabaritos de altura e usos, a lei prejudicial modelo 2020 que tudo muda mediante dinheiro foi declarada inconstitucional. Tarde demais. Os efeitos em breve estarão no perfil edificado do Rio de Janeiro.
Antes, porém, tratou de aprovar um novo-velho Código de Obras feito sob medida para a Zona Sul e para o mercado imobiliário que, entre outras barbaridades fez voltarem quartos e salas em formato de cachimbo da década de 1960 e reduziu ainda mais as condições mínimas de iluminação e ventilação dos cômodos.
A cidade não importa. Importa arrecadar recursos para os cofres públicos que entram no mesmo poço sem fundo. Ao menos que revertesse em favor da urbe carioca e de seus cidadãos!
Enquanto isso as favelas crescem indefinidamente, menos para os lados, mais para o alto. Sem lei e sem pagamento. Ações demagógicas como a mais recente ocorrida após a tragédia na Muzema são passageiras, assim como outras tragédias urbanas que terminam esquecidas. Quem ainda se lembra do desabamento de construções irregulares no Morro Santa Marta, que levou tantas vidas?
Ambos os Espertos tratam a questão do uso do solo na Cidade do Rio de Janeiro de forma parecida. Ao mercado imobiliário e à cidade formal o fora-da-lei mediante pagamento oficial. Às favelas e outras ocupações clandestinas a liberação quase total sem questionamentos.
Amanhã o carioca votará por dever, por obrigação, consciente ou inconscientemente, com voto ideológico, religioso, obediente, conveniente ou convicto.
Amanhã o carioca escolherá o Prefeito Panamá ou o Prefeito Pão-de-Queijo. Do ponto de vista do uso do solo, tanto faz.
Boa eleição.
Urbe Carioca