ACHADOS E PERDIDOS URBANO-CARIOCAS

CrôniCaRioca



Atualizado em 03/11/2015: foto de Marcus Alves mostra a concretagem do leito da Rua da Constituição após a destruição do calçamento bicentenário.


Zona Portuária, Rio de Janeiro: aterros ao longo do tempo.
Fonte: Skyscrapercity

Hoje, dia de reverenciar os mortos, é inevitável nos lembrarmos dos queridos que não estão mais conosco nesta vida de mistérios. Para perdas sem consolo resta que o tempo se encarregue de avivar apenas as boas lembranças, memórias de momentos alegres, afetos e amores: são ganhos, afinal, que não se apagam!

Em termos urbano-cariocas recentemente temos tido alguns ganhos importantes, como, por exemplo, a reconquista da orla voltada para a Baía de Guanabara desde as imediações da Praça XV de Novembro, no Centro, até o final da Avenida Rodrigues Alves, na Zona Portuária, inclusive o trecho pertencente ao Arsenal de Marinha, até aqui de acesso restrito. Curiosamente, trata-se de uma ‘re-reconquista’, se consideramos que a própria existência da citada avenida deveu-se a aterros realizados no início do Século XX que uniram ilhas, eliminaram praias e tornaram retas as linhas sinuosas que configuravam os limites dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo junto da água.

Por outro lado, das perdas para a cidade – porque infelizmente as houve neste período de tantas obras realizadas em nome dos Jogos Olímpicos 2016 – ressalta-se a mutilação do Parque Municipal Ecológico Marapendi*, situado na Área de Proteção Ambiental – APA Marapendi, manobra parte de uma transação imobiliária que usou como pano de fundo a construção de um campo de golfe desnecessário e imposto pelas autoridades municipais aos organizadores dos Jogos conforme amplamente noticiado, decisão evidentemente acobertada pela alardeada expressão “Tudo é pra Olimpíada”.

Perdas de oportunidades foram muitas, aqui retratadas no último dia 05/08 em VAI TER OLIMPÍADA!

A mais recente destruição urbano-carioca aconteceu às vésperas do Dia de Finados: a alegria de urbanistas, historiadores e defensores do patrimônio cultural diante do achado extraordinário de calçamento “pé-de-moleque” na Rua da Constituição, Centro, durante as obras para implantação do Veículo Leve sobre Trilhos – VLT durou poucos dias. Enquanto a sociedade se mobilizava para pedir a preservação da descoberta arqueológica com mais de dois séculos de idade, as pedras centenárias foram destruídas com retroescavadeira, sorrateiramente, em um fim-de-semana chuvoso.

Tanto a descoberta quanto a sua destruição foram divulgadas imediatamente nas redes sociais pelo grupo S.O.S.Patrimônio e por este Urbe CaRioca, gerando satisfação e, em seguida, enorme indignação.

Ironicamente o gestor da cidade, atual presidente do grupo C40, anunciou que inaugurará o Museu do Amanhã, na Praça Mauá reformada, em dezembro próximo. Segundo o noticiário chegará a bordo de um bonde moderno VLT batizado de João do Rio, pseudônimo do jornalista e escritor Paulo Barreto, apaixonado pelo Rio de Janeiro e autor de A Alma Encantadora das Ruas. Nas palavras de Antonio Edmilson Martins Rodrigues em ‘A alma encantadora de João do Rio’ (Revista de História 09/09/2007) o escritor “parece ter tomado o Rio de Janeiro como extensão de si próprio, e a demonstração mais cabal do seu amor pela cidade foi transformá-la em personagem principal de seus contos, crônicas e reportagens.”.

Se a data de Finados traz lembranças sentidas, para a Cidade do Rio de Janeiro, e para aqueles que a amam, a perda do acesso visível e real ao calçamento do Brasil-Colônia, também é sem volta e sem consolo algum. Fotos e livros bastarão? Mais inaceitável ainda é o fato de que a destruição do calçamento bicentenário foi praticada pelos que deveriam proteger bens culturais que não pertencem a um ou a outro, mas, à memória urbana e à coletividade.

O legado de mentiras apresentadas como verdades em nome dos Jogos prossegue, deixando novas cicatrizes na cidade e na alma.

Urbe CaRioca


Rua da Constituição, Centro, sexta-feira, 25/09/2015
Foto: Marconi Andrade

A destruição, com retro-escavadeira, em fim-de-semana chuvoso.
Foto: Marcus Alves, 26/10/2015

O concreto, após a destruição do calçamento bicentenário.
Foto: Marcus Alves, 03/11/2015

 

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*NOTA sobre o caso da APA Marapendi


O primeiro artigo sobre o tema foi PACOTE OLÍMPICO 2 – O CAMPO DE GOLFE E APA MARAPENDI (15/11/2012) Todos os posts e demais artigos relacionados ao assunto estão em GOLFE – MUITAS FACES, UMA SÓ MOEDA (30/12/2014), EXTRA! EXTRA! PÃO DE AÇÚCAR SERÁ DEMOLIDO! (31/12/2014) e em O CAMPO DE GOLFE DITO OLÍMPICO E A CORUJA-BURAQUEIRA (20 de julho de 2015).

Outras publicações:

02/11/2012 – CRÔNICARIOCA DE VÁRIAS MORTES ANUNCIADAS

06/11/2012 VENDO O RIO, CONTINUA… MENTE…

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