Ontem publicamos o texto de André Decourt – Não só 130 árvores – sobre as construções que a Prefeitura aprovou para serem erguidas no Jardim de Alah, uma área pública, praça, espaço destinado a que população o usufrua.
André menciona o artigo de Cora Rónai – Muito barulho para pouca árvore -, publicado no jornal O Globo do mesmo dia. Ao conhecer a opinião da respeitada jornalista, de imediato indaguei-me sobre qual seria a visão caso as construções fossem feitas na beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, que lhe é tão cara, próximas do prédio onde mora, pois tombado o jardim também é. No caderno Opinião da mesma edição está o artigo de Franco Nascimento – Apenas Jardim de Alah – carregado de ironia e lugares comuns, tomados exclusivamente pela esperança de que que se resolva a questão social antiga sobre a Cruzada São Sebastião.
Ambos estão equivocados. As árvores são gota d’água em um mar de erros, desrespeito às leis e à cidade. Relevar a remoção não justifica o que se pretende fazer: um empreendimento imobiliário sobre uma área livre situada em local privilegiado. Obviamente os empreendedores não se interessariam por “revitalizar” a Praça Nossa Senhora Auxiliadora – também no Leblon e abandonada – ou as dezenas de praças da Zona Norte aniquiladas pelas obras do BRT Olímpico, o antigo Corredor T5. Sempre haverá o argumento falacioso de que árvores podem ser replantadas, ou não teriam destruído as espécies centenárias e frondosas das praças Nossa Senhora da Paz e Antero de Quental em função de uma linha de metrô suspeita e também “pra Olimpíada”. Quanto à Cruzada, é evidente que as demandas não precisam ser atendidas mediante a entrega, pela prefeitura, a interessados em exercer atividades econômicas em área “filé mignon”, o que seria atestado de incompetência.
O que se quer, repito, é dar viabilidade a um empreendimento imobiliário. O resto é sofisma.
Em janeiro de 2022 este blog comentou o projeto MasterChef Brasil, que propunha a “oferecer uma experiência gastronômica diferenciada aliada à apreciação do visual paradisíaco da Cidade do Rio de Janeiro nas alturas”. Para tanto, foi instalado no Parque do Cantagalo, na orla Lagoa Rodrigo de Freitas, um restaurante suspenso a 50 metros de altura. A obra foi erguida em área tombada que integra o Patrimônio Cultural da Cidade e da União, e que é non-aedificandi, onde são permitidas apenas construções de pequeno porte para apoio às atividades de lazer, conforme as leis urbanísticas vigentes.
Na ocasião Cora Rónai publicou um texto em sua rede social, quando questionou: “Qual é a parte de `tombada´ que as autoridades que autorizaram isso não entenderam?”.
A mesma pergunta poderia ser feita agora no caso do Jardim de Alah, com o agravante de que as construções na praça serão permanentes, ao contrário do restaurante suspenso que incomodou visualmente e modificou o trajeto de ciclistas e pedestres durante seis meses. A proteção pelo instituto do tombamento não impede a convivência com adaptações e intervenções, muitas vezes até necessárias. Não aqui. Jamais uma obra de tamanha magnitude, características e atividades comerciais, um shopping como tem sido apelidado, em área pública. Certos de que a jornalista tem a melhor das intenções, a defesa do projeto causou-nos surpresa, do mesmo modo que outra colunista do O Globo, Ruth de Aquino – em O desafio da integração do novo Jardim de Alah – , usou a solução como redentora da cidade partida.
São análises partidas, em verdade, quando a questão é urbanística e de má gestão administrativa proposital. O espaço abandonado não justifica vilipendiar a área pública. As carências da Cruzada São Sebastião não justificam vilipendiar a área pública nem as resolverão. A construção inadmissível não tirará do abandono os moradores de rua, não diminuirá o abandono da cidade, nem o medo que paira sobre os cariocas. Será mais uma obra olímpica, agora entre Ipanema, Leblon, a Lagoa e o Mar, enquanto os cariocas resistem.
Inexplicavelmente, o órgão responsável pela proteção do Patrimônio Cultural do Rio, não se opôs à desfaçatez. Curiosamente, o Jornal O Globo não publicou um único artigo ou opinião contrários ao projeto.
Urbe CaRioca
“Gastronomia com adrenalina” desafia tombamento na Lagoa: considerações de Cora Ronai (post publicado em 07/01/2022)
Conforme publicamos há poucas semanas, com a proposta de oferecer uma experiência gastronômica diferenciada aliada à apreciação do visual paradisíaco da Cidade do Rio de Janeiro nas alturas, o projeto “MasterChef Brasil Nas Nuvens”, até o dia 17 de abril de 2022, terá no Parque do Cantagalo, na Lagoa, um restaurante que ficará suspenso a 50 metros de altura.
A obra foi erguida em área tombada que integra o Patrimônio Cultural da Cidade e da União, e que é non-aedificandi. Ali são permitidas apenas construções de pequeno porte para apoio às atividades de lazer, conforme as leis urbanísticas vigentes. Confiram abaixo o desabafo da jornalista e escritora Cora Ronai em sua página em uma rede social:
(a seguir, o texto da jornalista)
“Qual é a parte de `tombada´que as autoridades que autorizaram isso não entenderam?”, questiona.
“Fiquei indignada quando construíram essa estrutura do guindaste com a mesa pendurada aqui em frente.
Há uma tenda enorme (2 mil metros quadrados, segundo informam) que avança sobre a vegetação, a ciclovia foi desviada e a coisa toda é uma bruta agressão à paisagem — para não falar de um uso privado bastante questionável do espaço público.
Depois fiquei pensando se não estaria sendo intolerante.
Afinal, a estrutura não é permanente e a cidade está quebrada, precisa de eventos e de turistas, blá blá blá whiskas sachê.
Mas eventos e turistas não podem ser desculpa para toda a sorte de abusos.
A Lagoa é tombada.
Qual é a parte de `tombada´que as autoridades que autorizaram isso não entenderam?
Para que meia dúzia de pessoas brinque de comer com adrenalina, o lazer de incontáveis outras pessoas está sendo prejudicado.
Não vou nem entrar no mérito da `experiência´.
Eu estive numa geringonça dessas uma vez, em São Paulo, num lançamento de tecnologia, e não vi a menor graça: comer com cinto de segurança firmemente atado sem ser em avião não faz sentido nenhum na minha cabeça.
Ainda que fosse a trabalho, saí me sentindo vagamente otária por gastar meu tempo dessa maneira; se tivesse gastado também o meu dinheiro, teria ficado deprimida.
E ainda temos seis meses desse trambolho pela frente.”
Cora Ronai
Concordo plenamente com tudo o que foi dito, excelente texto!