Pedra Cantada: Hotéis do Rio devem ser transformados em prédios de apartamentos

Hotéis, como o da Glória, se transformam em edifícios residenciais, após queda na procura de hóspedes com a pressão no mercado imobiliário desde 2013 Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Na última semana, a Prefeitura do Rio autorizou que o Hotel Glória seja convertido em um edifício residencial e de escritórios. Fechado desde 2013, o primeiro cinco estrelas do país deverá ser o primeiro de vários empreendimentos a passarem por essa transformação.

Em 2020, o hotel começou receber obras para se tornar um empreendimento residencial, com mais de 250 unidades com conceito de apartamento tipo casa, com espaço amplo de um a quatro quartos, jardim e área de até 314 metros quadrados. O edifício foi comprado pelo Grupo Opportunity.

O imbróglio envolvendo o Hotel Glória foi tratado diversas vezes neste blog (veja mais no final deste post) por ocasião da autorização concedida, na época, ao empresário Eike Batista, sendo o imóvel totalmente demolido internamente, inclusive o Teatro, embora a lei determinasse que os teatros demolidos devessem ser substituídos por outros, o que não ocorreu.

Por outro lado, vários dos hotéis apelidados de “olímpicos” – erguidos com benesses urbanísticas, aumento de área construída, número de andares, e taxa de ocupação, permaneceram vazios após os Jogos, como previsto neste Urbe CaRioca. Também apontamos os prováveis pedidos para mudança de uso com a pouca demanda que se anunciava, o que se confirmou com as propostas de novas leis urbanísticas disponíveis no site da Prefeitura. Pedra cantada.

O assunto, inclusive, esteve mais de uma vez na pauta das reuniões do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur) em 2019.

Em resumo, foram licenciados diversos edifícios com gabaritos gerais maiores do que o permitido no bairro respectivo para prédios residenciais, com isenções fiscais diversas, e que serão agora transformados em edifícios com volumetria que seria vetada, caso o uso solicitado originalmente fosse o residencial.

Mas, como se diz no meio, não adianta chorar o concreto derramado. Como também não adiantou visualizar esse cenário.

Confira mais sobre a situação de alguns hotéis do Rio que buscam novas estratégias para enfrentar a baixa no número de visitantes e a pressão no mercado imobiliário, como noticiado no jornal O Globo.

Urbe CaRioca

Com menos hóspedes, 11 hotéis do Rio planejam transformar parte dos quartos em residências e escritórios

O Globo – 22 de junho de 2021
Lucas Altino – Link original

RIO — Primeiro cinco estrelas do país, o quase centenário Hotel Glória não só vai voltar a abrir suas portas, fechadas desde 2013, como vai puxar o fio de um movimento de transformação urbanística. Quem um dia sonhou ser hóspede, agora poderá ser proprietário. A Prefeitura, que autorizou na semana passada que o prédio neoclássico seja convertido em residências e escritórios, também analisa outros pedidos semelhantes. O Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro (HotéisRIO) estima que 11 empreendimentos pretendem, em breve, ocupar espaços que antes eram para turistas.

Com a queda do número de visitantes na cidade e a pressão do mercado imobiliário, outros hotéis buscam a mesma saída para a crise agravada pela pandemia do coronavírus. Além do Glória, outros três projetos já estão avançados: dois no Flamengo e um na Barra da Tijuca.

O HotéisRIO representa cerca de 300 hotéis na capital, que ofertam mais de 50 mil quartos. O número de vagas no Rio quase duplicou às vésperas da Olimpíada de 2016, mas a expectativa de negócios pujantes não se confirmou. Em maio deste ano, a média de ocupação no setor era de 40%. Desde o ano passado, sete hotéis fecharam.

Na foto, o Hotel Glória, que vai entrar em obras para virar um condomínio residencial, estava fechado desde 2013 Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Área de influência

A reforma do Glória, que era um projeto ambicioso do empresário Eike Batista, que comprou o edifício em 2008 por R$ 80 milhões, parou há oito anos. Com o ocaso dos negócios de Eike, o fundo Mubadala, de Abu Dhabi, recebeu o imóvel como parte de pagamento de dívidas do grupo EBX. Mas o imponente prédio, inaugurado em 1922, continuou abandonado. No ano passado, o grupo Opportunity fechou acordo com o fundo para a compra do Glória, e desde então veio à tona a notícia de que ele viraria um empreendimento residencial. Procurado, o novo proprietário informou que tenta aprovar o retrofit para recuperar a fachada. O residencial deverá ter 256 unidades, entre up gardens — que seguem o conceito de apartamentos tipo casa, com jardim no terraço, de um a dois quartos com 138 a 314 metros quadrados — a apartamentos de dois a quatro quartos, de 70 a 229 metros quadrados. Sem revelar mais detalhes, Jomar Monnerat, gestor do Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário, promete, por nota, que “o contemporâneo estará presente sem deixar de lado as características icônicas” do Glória.

Embora não seja tombado,  o Glória está numa área de influência de outros bens históricos muito importantes, como o Outeiro. O arquiteto Carlos Fernando Andrade, doutor em urbanismo e ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan), celebra a novidade. Segundo ele, diante da inviabilidade de se recuperar o uso hoteleiro do Glória, é importante criar uma alternativa residencial.

— Dar um uso é fundamental, ainda que não seja o original. Fico muito satisfeito em saber que aquele prédio, que já viveu dias de glória, voltará a ter vida. É importante como patrimônio e para o bairro. É péssimo para qualquer lugar ter uma ruína na vizinhança — afirma Andrade, destacando que tudo favorece o projeto, como a proximidade do Centro e o fato de estar de frente para um dos principais parques urbanos do mundo.

Para ele, além da tendência de mercado, a transformação de hotéis em residência é uma solução para a explosão de oferta de vagas na cidade nos últimos anos, o que classificou de “maluquice”, no rastro da euforia que precedeu os Jogos de 2016:

— Como o nome diz, o evento é temporário. E, agora, ainda temos a pandemia impedindo a retomada do turismo.

Outros dois hotéis estão em processo de transformação em prédios residenciais: os antigos Flamengo Palace e Paysandu. O primeiro, de 17 andares, se chamará Insight Rio, com lançamento previsto para este mês. São estúdios, de 36 ou 56 metros quadrados, com preços de R$ 515 mil a R$ 1,4 milhão. Terão ainda área para coworking, lavanderia, spa, piscina e terraço. As obras, que começam em agosto, devem ficar prontas em março de 2022.

— Acabamos dando vida a um negócio que já estava quebrado. Vai ser bom para quem comprar e para quem quiser investir, porque, como não é grande, consegue comprar apartamento de frente para praia por menos de R$ 1 milhão, o que é difícil na cidade — afirma Daniel Afonso, diretor da D2J Construtora, responsável pelo projeto.

Negócio art déco

Tombado, o Hotel Paysandu teve o novo projeto lançado na virada do ano, e as 48 unidades, que variam de 28 a 80 metros quadrados, já foram vendidas. As obras começaram em abril. A entrega está prevista para o início de 2023.

— A bonita fachada, em art déco, é tombada e será mantida — diz Marcos Saceanu, diretor-presidente da construtora Piimo, que negocia outros hotéis na Zona Sul para reconversão.

No Jardim Oceânico, Barra da Tijuca, o Hotel Praia Linda dará lugar a um prédio com apartamentos de luxo, de 150 a 220 metros quadrados. Diferentemente dos outros, a Itten Incorporadora vai demolir o prédio para construir o novo imóvel, que terá 34 unidades.

Considerando o tamanho do parque hoteleiro da capital, o Rio poderia estar assistindo a mais reconversões. Mas, na opinião de Cláudio Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis, o maior empecilho é a despesa alta dos retrofits, que custariam cerca de R$ 4 mil a R$ 5 mil por metro quadrado. Ele conta que, neste momento, tenta vender dois imóveis, um em Copacabana e o Hotel Aymoré, na Praça da Cruz Vermelha. Presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Claudio Hermolin defende a atualização da legislação, que dificulta investimentos e aumenta os custos dos empreendimentos.

— Hoje ainda temos exemplos tímidos de reconversão, porque a legislação é pouco convidativa. Há bairros em que não se pode ter apartamentos de 24 metros quadrados, que é o tamanho comum de um quarto de hotel. Ou se exige vaga de garagem ou área de lazer — observa.

Secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo destacou que já existem mecanismos para estimular retrofits no Reviver Centro, e no Projeto de Lei 136, que trata de tombamentos:

— Há várias possibilidades de reconversão do parque hoteleiro da cidade. O entendimento é que não há necessidade de nova lei, até porque há benefícios recentes.

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