A matéria publicada no O Globo desta quinta-feira, dia 4, relatando a substituição de Washington Fajardo na Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, aponta detalhes que permeiam os conflitos entre o ex-secretário e o prefeito do Rio, incluindo, sobretudo, a polêmica de um novo projeto apresentado pela Prefeitura à Câmara do Rio que legaliza puxadinhos enquanto ainda há debates sobre a revisão do Plano Diretor, sem o conhecimento e a anuência de Fajardo, que na época estava de férias.
A longa reportagem de Luiz Ernesto Magalhães explica o assunto – a nova velhíssima lei de mais-valia – de modo claro e bem encadeado, tema da nossa postagem anterior: Mais-Valia, a Eterna.
Entrevistada, a ex-secretária municipal de Urbanismo Andrea Redondo, idealizadora do Urbe CaRioca, ironiza: “A novíssima lei pode ser resumida nas seguintes frases: Quer construir fora da lei? Pague. Está sem dinheiro? Tem desconto. Pague. Ainda não dá? Parcelamos em até 24 vezes. Sua igreja quer construir ou construiu fora da lei? Não precisa pagar”.
Vale repetir: Com a palavra, urbanistas e juristas.
Urbe CaRioca
Augusto Ivan substitui Washington Fajardo no Planejamento Urbano
Arquiteto assume após ex-secretário deixar o cargo por discordar de proposta de nova lei para regularizar puxadinhos que legaliza construção de até um andar a mais na Zona Sul e na Barra mediante pagamento de taxas
Por Luiz Ernesto Magalhães — O Globo
O arquiteto Augusto Ivan vai substituir Washington Fajardo na Secretaria Municipal de Planejamento Urbano. O anúncio foi feito nesta quinta-feira (4) pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, nas redes sociais. Fajardo pediu demissão na terça-feira (2) em meio à polêmica de um novo projeto apresentado pela prefeitura à Câmara do Rio que legaliza puxadinhos enquanto ainda há debates sobre a revisão do Plano Diretor. A proposta foi para a Câmara na semana passada sem o conhecimento do então secretário, que na época estava de férias. A tramitação do novo projeto foi antecipada pelo colunista Ancelmo Gois.
O projeto permite legalizar puxadinhos com até um pavimento extra de cobertura na Zona Sul, na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes, inclusive na orla. Em trechos de Jardim Oceânico, Tijucamar e Recreio, locais onde o gabarito é de dois pavimentos mais cobertura. A legalização se daria mediante o pagamento de taxas à prefeitura, como uma espécie de ressarcimento pela valorização imobiliária. A taxa também será cobrada para permitir o fechamento de varandas.
No caso da orla, só há uma restrição. A licença para a obra não seria concedida caso o andar adicional provocasse projeção de sombras no calçadão e na areia. A proposta em tramitação também isenta de taxas templos religiosos interessados em fazer a reconversão.
Como os pagamentos podem ser parcelados, o mecanismo é uma fonte importante de receitas para a prefeitura, apesar das críticas de especialistas que legislações do gênero descaracterizam a cidade e atrapalham o planejamento urbano. Com base em leis anteriores, o município arrecadou R$ 728,3 milhões (valores nominais) desde 2017. Os dados são do Portal da Transparência da prefeitura. O ápice ocorreu em 2020, quando entraram nos cofres municipais R$ 213 milhões. Este ano, a arrecadação com o programa até agora foi de R$ 38,3 milhões. Pelo projeto em tramitação, os interessados poderão legalizar até o equivalente a um andar adicional. Um dos pontos polêmicos do texto é que se aprovada, a lei valeria não apenas para empreendimentos já existentes, mas os que sequer começaram a ser construídos ou obtiveram habite-se. Em princípio, a medida na Zona Sul valeria por 180 dias prorrogável por igual período no caso da Zona Sul, de Barra e do Recreio. Mas pode durar mais tempo, caso haja atraso na votação do novo Plano Diretor.
Especialistas criticam a proposta com o argumento que não se trataria de uma ”mais valia” por obras executadas, mas o que chama de ”mais valerá”. A prefeitura preferiu não se manifestar sobre o projeto. Já Augusto Ivan informou que ainda vai se inteirar sobre esses e outros projetos em andamento no município. A previsão é que tome posse na próxima semana.
Leis sobre Mais Valia para legalizar puxadinhos são frequentes na cidade. No caso da Zona Norte e da Zona Oeste (AP-5), existem regras permanentes. Na Zona Sul e na chamada AP -4 (Barra, Recreio e Jacarepaguá), duas leis temporárias chegaram a vigorar no governo do ex-prefeito Marcelo Crivella (2017-2020). Na versão mais recente, a Lei Complementar 2019/2020, aprovada com o pretexto que a medida ajudaria a obter fundos para combater a pandemia do Covid-19, foi julgada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça.
Na época, o relator do processo, desembargador Antonio Iloizio Barros Bastos, entendeu que a legislação era muito abrangente, possibilitando desde transformação de apartamento de zelador de prédio em unidade autônoma do condomínio até construção em áreas de reserva ambiental, dispositivos que não aparecem no projeto atual de Paes.
O magistrado entendeu que a legislação continha vício formal, por ausência de participação popular para manifestação a respeito da medida, que dispõe sobre política urbana e uso do solo; vício material, por não observar o plano diretor do Município; havendo ainda falta de estudos técnicos, como de impacto ambiental, além de questões financeiras, já que permite o uso da verba para outros custos além do combate à Covid. Parte do dinheiro foi usado para pagar servidores.
Em 2018, outra legislação semelhante foi aprovada por Crivella no legislativo. As regras foram válidas por um total de 180 dias.
– Infelizmente, mais uma vez, a gente enfrenta a falta de debate público sobre os parâmetros urbanísticos da cidade. Lá atrás, judicializamos a Lei dos Puxadinhos e vencemos na Justiça. Era uma verdadeira boiada urbanística. Agora, no meio da revisão do Plano Diretor, que já tem mais de um ano, aparece essa proposta . É quase um cheque em branco para legalizar quase tudo — criticou a vereadora Tainá de Paula (PT), presidente do Comitê de Assuntos Urbanos da Câmara e vice-presidente da comissão de Revisão do Plano Diretor.
Arquiteta e urbanista, Tainá observa que as regras urbanísticas já foram flexibilizadas pelo atual governo por intermédio de outras legislações. Como a legislação que regulamentou em nível local a chamada Lei da Liberdade Econômica, do governo federal, que facilita a abertura de novos negócios. Com a lei, o processo de autorização desses empreendimentos não se dá mais na secretaria de Planejamento Urbano, mas na Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
— As regras de licenciamento foram flexibilizadas. Na minha opinião, fragiliza o zoneamento da cidade, ao permitir a ocupação com atividades não residenciais em áreas exclusivamente residenciais, fora da discussão do Plano Diretor e fora da da Secretaria de Planejamento Urbano — acrescentou.
A ex-secretária municipal de Urbanismo, Andrea Redondo, ironiza:
— A novíssima lei pode ser resumida nas seguintes frases: Quer construir fora da lei? Pague. Está sem dinheiro? Tem desconto. Pague. Ainda não dá? Parcelamos em até 24 vezes. Sua igreja quer construir ou construiu fora da lei? Não precisa pagar.— comentou em seu Blog Urbe CaRioca.
Arquiteto e urbanista, Augusto Ivan tem 77 anos. Formado pela UFRJ e pós-graduado em Planejamento Urbano e Regional pelo Institute for Housing Studies, Rotterdam, Holanda e pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, já ocupou vários cargos na prefeitura. Inclusive já foi secretário de Urbanismo no terceiro governo do ex-prefeito Cesar Maia (2005-2008) e presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. E na década de 1990, coordenou a implantação do corredor cultural do Centro, que introduziu vários mecanismos para ajudar a preservação do patrimônio histórico da região.
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