Sempre o Gabarito: PLC nº 174/2020 – O que a nova-velha lei propõe

 

“Mais uma vez, gestores públicos municipais querem mudar as leis de uso e ocupação do solo na Cidade do Rio de Janeiro mediante pagamento em dinheiro, a chamada “mais-valia”. Trata-se do Projeto de Lei Complementar nº 174/2020, de autoria do Poder Executivo voltado para novas legalizações e concessão de alvarás de obras e mudanças de uso em prédios existentes e para o aumento de gabaritos de altura ficados para cada bairro. Como se não bastasse o chamado novo, porém velho e pernicioso, Código de Obras que entrou em vigor há pouquíssimo tempo, um conjunto de benesses para a indústria da construção civil que produzirá habitações de menor qualidade.” Urbe CaRioca, 14/05/2020

O post Pandemia, a desculpa da vez – Sempre o Gabarito apontou que está a caminho a nova, porém velha, benesse urbanística que desconsidera toda busca por um bom desenho urbano para a Cidade do Rio de Janeiro. A seguir listamos e comentamos resumidamente alguns aspectos que trazem a reedição da “mais-valia”, da “mais-valerá”, além de inúmeras modificações nas leis de uso e ocupação do solo e no Código de Obras.

  1. A proposta reedita a conhecida lei da “mais-valia” e a apelidada jocosamente “mais-valerá” nascida em 2015; a primeira para legalizar obras sem licença que contrariam as normas; a segunda para licenciar obras fora da lei vigente.
  2. Todos os edifícios residenciais multifamiliares (edifícios de apartamentos) poderão ser transformados em mistos (uso comercial e residencial no mesmo edifício) com a transformação de andares térreos em lojas e salas comerciais, inclusive de unidades residenciais, apartamento de zelador e áreas comuns; há exceção para a Zona Residencial 1.
  3. O apartamento de zelador poderá ser transformado em uma unidade autônoma ou incorporado a outra unidade do edifício.
  4. Permite construir mais de um prédio colado às divisas* (a lei vigente prevê no máximo dois).
  5. Permite construir prédios colados às divisas* no mesmo lote onde existe construção afastada* (a lei vigente proíbe).
  6. Nos locais onde a altura máxima para prédios não afastados das divisas* é 12.00m (art. 448 LOM), terreno situado entre duas edificações também coladas poderá receber construção com o gabarito médio das vizinhas; se apenas uma das divisas confrontar com empena, a nova edificação poderá encostar só neste lado; a fração calculada vale como mais um andar.
  7. Nas áreas onde exista edifício mais alto do que prevê a norma atual lotes poderão usar o gabarito médio das edificações de mesmo uso situadas na quadra (quarteirão); quando não houver formação de quadra (exemplo: terrenos com fundos para morros) é considerado raio de 200,00m a partir do lote de interesse; se o lote ocupar a totalidade de uma quadra será aplicado o gabarito médio das quadras adjacentes.
  8. Nos locais próximos das favelas (Áreas de Especial Interesse Social – AEIS), chamadas ‘áreas de franja’, será permitido:
    • Acrescentar três andares além do que prevê a lei vigente nas Regiões Administrativas de Jacarepaguá, Cidade de Deus e Barra da Tijuca (AP-4).
    • Adotar o gabarito máximo existente em um raio de 200,00m nas Regiões Administrativas do Centro, Zona Sul e Zona Norte – Portuária, Centro, Rio Comprido, São Cristóvão e Santa Teresa (AP-1); Botafogo, Copacabana, Lagoa, Rocinha, Tijuca e Vila Isabel (AP-2); Ramos, Maré, Méier, Jacarezinho, Irajá, Madureira, Inhaúma, Complexo do Alemão, Penha, Vigário Geral, Anchieta, Pavuna, e Ilha do Governador (AP-3).
    • As áreas de franja são as que ficam a até 200,00m dos limites das AEIS e das ruas para as quais tenham frente.
    • Nas áreas de franja que estejam na Zona Residencial 1 (onde são permitidas apenas casas) é permitido acrescentar um andar e transformar a construção em multifamiliar (apartamentos).
    • Área mínima da unidade – 35,00m²
    • Esses conceitos – ou desconceitos – não se aplicam a imóveis de loteamentos irregulares ou clandestinos.
  9. Onde o uso residencial é permitido (leia-se: em toda a cidade) serão licenciadas sedes de empresas, representações diplomáticas, asilo, casas de repouso, casa de cuidados paliativos em residências coletivas, e hospedagem.
  10. É permitida a transformação para uso comercial e de serviços ao longo das vias do BRT na AP-4 e na AP-5.
  11. Libera a transformação de hotéis para uso residencial e misto, exceto os hotéis “pra Olimpíada” e os situados na orla do Leme ao Recreio dos Bandeirantes, não incluído o bairro de São Conrado.
  12. Permite acrescentar um andar de cobertura nas edificações com mais de três andares, afastadas ou não das divisas “construídas em conformidade com as condições da legislação em vigor” (não explica se vale para as legalizadas com mais-valia).
  13. Reduz o afastamento frontal nos terrenos com frente para mais de uma rua quando o exigido são 10,00m – será aplicado basicamente na região do Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá.
  14. Estacionamentos: conforme o caso, pagar-se-á para estacionar no afastamento frontal, pagar-se-á para desobrigar a prever vagas de veículos.
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Todas as benesses estão à venda; aplicam-se às construções beneficiadas pelo Pacote Olímpico (aquele que aumentou gabaritos e dispensou impostos); haverá desconto para pagamento à vista; no caso das “franjas”, locais adjacentes às favelas, o desconto será maior, em toda a cidade: aparentemente destina-se às áreas próximas de favelas  nas regiões Administrativas de Bangu, Realengo, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba (AP-5).

A estranha proposta não informa especificamente se a autorização para desrespeitar as leis urbanísticas, a ser adquirida, servirá às construções existentes conforme cada item.

Se houvesse algum mérito nessa miscelânea casuística seria a obrigação de respeitar normas de proteção do Patrimônio Cultural, cones de aproximação de aeronaves, faixas non-aedificandi e marginais de rios, lagoas, ferrovias e rodovias, do Corpo de Bombeiros, da ABNT, do Ministério do Trabalho, e outras inerentes ao uso da edificação. Porque a proposta é inaceitável, não há mérito.

Afirmar que não haverá prorrogação de prazo para requerer os ditos benefícios – um sofisma, por óbvio – é falso. A mais-valia permanece de forma intermitente há quase três quartos de século.

O debate está aberto.

Crédito:br.freepik.com

Urbe CaRioca

Notas

*Art. 78 do Regulamento de Zoneamento:

Art. 78 Para os fins deste Regulamento consideram-se:

I – Edificação afastada das divisas, aquela que tem o afastamento mínimo frontal fixado pelos Arts. 100 e 101, e os afastamentos mínimos das divisas laterais e de fundos iguais às dimensões dos prismas de iluminação e ventilação exigidos para a edificação, haja ou não abertura de vãos, não podendo ser inferiores a 2,50m (dois metros e cinqüenta centímetros).

II – Edificação não afastada das divisas, a não compreendida na definição do inciso I

(obs. as construções não afastadas das divisas e afastadas das divisas também são chamadas de coladas às divisas e não coladas às divisas)

Regiões Administrativas e bairros respectivos:

 

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