Em 20 de dezembro de 2021, divulgamos que estava em andamento a instalação do projeto gastronômico “MasterChef Nas Nuvens” suspenso a 50 metros de altura às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, em área tombada que integra o Patrimônio Cultural da Cidade e da União, o que nos causou grande estranhamento.
Dando continuidade ao assunto trazido por este blog em “Gastronomia com adrenalina” desafia tombamento na Lagoa”, com o texto de Cora Rónai divulgado em rede social, e à nota do Instituto de Arquitetos do Brasil publicada em “IAB divulga nota sobre ocupação das margens da Lagoa Rodrigo por `Masterchef nas Nuvens´” reproduzimos o artigo da mesma jornalista e colunista do jornal O Globo que trouxe o caso do trambolho na Lagoa mais uma vez à mídia.
“O que era de todos é, agora, uma `experiência exclusiva´(e profundamente ridícula); a área perdeu a paz e a alegria coletiva. Os vendedores de água de coco, de picolé e de pipoca, verdadeiros representantes da gastronomia local, foram amargar o prejuízo em outra freguesia”, destaca.
Urbe CaRioca
Um acinte aos cariocas na Lagoa
Cora Ronai – O Globo – Link original
A mancha na paisagem fica no ar até meados de abril. para a população que fazia da Lagoa a sua área de recreio, o verão está perdido
Antes do fim do ano, naquela confusão das festas — abre, fecha, permite, não permite — uma estrutura metálica começou a ser montada na Lagoa. Logo havia lá uma bolha medonha, de 2 mil metros quadrados, que agride a paisagem, atropela a vegetação e o lazer, desvia descaradamente a ciclovia e avança sobre o espelho d’água.
Como todo mundo na vizinhança, achei que a coisa era “apenas” palco para um Réveillon. Hoje temos tantos motivos de contrariedade no país que ninguém tem ânimo para comprar briga por causa de uma estrutura provisória que, dez dias depois, terá sido desmontada.
Dez dias vieram e passaram, porém, e à aberração plástica juntou-se um guindaste vermelho que, a intervalos regulares, suspende a 50 metros do chão uma mesa de jantar rodeada por cadeiras gamer.
Nelas, atadas por cintos de segurança, 24 pessoas vivem a ilusão de estar fazendo algo muito radical — enquanto incontáveis outras pessoas perdem o espaço para tomar sol, para fazer ioga, para ler, para passear, para namorar, para brincar com as crianças ou apenas para se espichar na grama e curtir em paz uma das vistas mais bonitas da cidade.
O que era de todos é, agora, uma “experiência exclusiva”(e profundamente ridícula); a área perdeu a paz e a alegria coletiva. Os vendedores de água de coco, de picolé e de pipoca, verdadeiros representantes da gastronomia local, foram amargar o prejuízo em outra freguesia.
A mancha na paisagem e o acinte aos cariocas ficam no ar até meados de abril. Ou seja: para a população que fazia da Lagoa a sua área de recreio, o verão está perdido.
Há alguns anos, durante o reinado do bispo, pequenas empresas criativas começaram a oferecer piqueniques no Parque do Cantagalo. Eram eventos familiares simpáticos, que davam colorido à área e, em geral, não causavam estragos — mas, ainda assim, preocupantes, porque sinalizavam a falta de fiscalização e o vale tudo que tomou conta da cidade.
O uso de espaço público para fins privados é sempre complicado. Por singelos e amáveis que fossem, os pequenos piqueniques passaram a se expandir e a se sofisticar, se transformando em festinhas e cercando trechos de gramado.
Os piqueniques foram, pois, proibidos. E com razão.
Agora, as mesmas autoridades que os proibiram permitem a instalação dessa coisa bisonha, cafona e agressiva.
No tempo em que se ensinava latim, havia uma frase perfeita para esse caso: cuiprodest?
O pior é que todo mundo está aceitando o “evento” como se fosse apenas mais uma alternativa de lazer, como se a privatização da paisagem fosse a coisa mais normal do mundo.
Ninguém foi para a rua, ninguém gritou, ninguém abraçou a Lagoa.
Todo mundo fazendo a egípcia.
Ainda bem que o Instituto dos Arquitetos do Brasil quebrou o silêncio e, no fim da semana passada, emitiu uma nota pedindo satisfações às autoridades municipais competentes e ao Iphan. O IAB levanta, inclusive, um ponto muito importante:
“Chama atenção o fato de se autorizar a grande estrutura metálica com o guindaste exercendo pressão sobre área frágil, criada por meio de sucessivos aterros, onde é necessário trabalho permanente de reaterro e recomposição da vegetação da orla da Lagoa.”
A íntegra da nota do Instituto encontra-se em iabrj.org.br.
E aí, prefeitura?
Leia também:
Um trambolho às margens da Baía de Guanabara
Clube Flamengo – o trambolho perene e uma obrazinha de manutenção
Trambolhos olímpicos: também na Barra da Tijuca e na Baía de Guanabara
O Flamengo e o trambolho: Só um benesse para o clube é pouco
Flamengo: Um trambolho no prédio abandonado – Fim do Mistério
Areias de Copacabana – O trambolho, a Olimpíada, o mar e a ressaca
Lagoa Rodrigo de Freitas e o remo olímpico – Entre trambolhos e litígios
Trambolho nas areias de Copacabana – Mais um a caminho
Lagoa Rodrigo de Freitas, ainda os trambolhos e os jogos
Lagoa Rodrigo de Freitas – O remo e os trambolhos provisórios permanentes