O editorial do jornal “O Globo” desta 4ª feira acertadamente critica as propostas em tramitação na Câmara de Vereadores que tentam flexibilizar normas urbanísticas em prejuízo do município através de dois Projetos de Lei Complementar que propõem alterações importantes na legislação. Ambos PLCs estão na Casa desde 2019, porém ressurgiram com força às vésperas da revisão do Plano Diretor, prevista para este primeiro semestre.
Entretanto, não podemos deixar de registrar que o mesmo veículo não se manifestou contrariamente à Mais-valia ampliada aprovada na gestão anterior, e que mudou a legislação urbanística de toda a Cidade do Rio de Janeiro sem considerar os índices vigentes, o Plano Diretor atual ou o fato de um novo Plano Diretor estar a caminho, pautando-se, assim, pela parcial incoerência diante da falta de posicionamento anterior.
À atual gestão cabe retirar os projetos de pauta, o melhor a fazer pelo Rio.
Urbe CaRioca
Flexibilizar legislação urbanística seria um erro gravíssimo para o Rio
Os vereadores cariocas resolveram adotar a tática perniciosa do ministro Ricardo Salles no Meio Ambiente. Enquanto a atenção da sociedade está voltada à pandemia do novo coronavírus — que impôs ao Rio o maior número de mortes por Covid-19 entre todas as capitais brasileiras —, tentam passar suas boiadas, flexibilizando normas urbanísticas em prejuízo do município. Se efetivadas as mudanças, provocarão interferências inaceitáveis na paisagem, no ambiente e na qualidade de vida do Rio, patrimônio cultural da Humanidade.
Tramitam na Câmara de Vereadores dois Projetos de Lei Complementar (PLCs 136 e 141) que propõem alterações importantes na legislação urbanística. Embora estejam na Casa desde 2019, ressurgem com força às vésperas da revisão do Plano Diretor, prevista para este primeiro semestre. Entre os equívocos da proposta, está a permissão para construir em áreas de matas e encostas acima do limite em vigor (cem metros do nível do mar), além da redução nas exigências para licenciar moradias de interesse popular, abrindo um espaço indesejável ao ímpeto imobiliário clandestino das milícias.
Qualquer carioca sabe quão vulneráveis são as encostas da cidade. E como já foram ocupadas de forma caótica sob olhares permissivos — ou, por que não dizer?, sob o incentivo, por objetivos político-eleitorais — de sucessivos governos. As chuvas de verão costumam ser implacáveis com a negligência. Mesmo trechos de áreas florestais não raramente despencam sob a força das águas — o Parque Nacional da Tijuca está cheio de exemplos.
Mesmo que não se entrasse no mérito da questão, não parece razoável que se discutam mudanças na legislação urbanística do Rio às vésperas de rever o Plano Diretor, que completou dez anos no dia 1º de fevereiro, sem estudos que avaliem o impacto das medidas. Melhor seria se debruçar sobre a atual legislação e perguntar por que as metas traçadas não foram alcançadas. A cidade cresceu onde não tinha infraestrutura (Barra, Recreio, Jacarepaguá e entorno) e definhou onde estava pronta (Centro e Zona Norte).
Há muito o que fazer no Rio antes de criar novos problemas. No Centro, o esvaziamento em curso há anos foi agravado pela pandemia . Hoje a região é um deserto de lojas fechadas e escritórios vazios. Nos próximos dias, deve chegar à Câmara projeto da prefeitura para revitalizar a região. A ideia é permitir que prédios de escritórios sejam reformados para servir como moradia de classe média baixa.
É uma ideia bem-vinda, mas não é o caso das demais. Momentos críticos como o atual, em que o país amarga prejuízos decorrentes da pandemia e das medidas de contenção, são propícios para aprovar qualquer coisa. É como se tudo se justificasse, mesmo os maiores absurdos. Mas um dia a pandemia passará e, além dos efeitos deletérios evidentes — como aumento da pobreza, perdas na educação e devastação das finanças públicas —, a sociedade carioca poderá ter de carregar mais um fardo: a degradação da paisagem, do meio ambiente e da qualidade vida.
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