Vendo o Rio, 2021 – mais um capítulo

Sob a justificativa de fazer caixa e “aliviar” os cofres públicos para fazer o pagamento do 13º salário dos servidores municipais, a Prefeitura novamente coloca em jogo prédios e terrenos públicos, vários com grande valor histórico e localizados em áreas nobres da capital.

A pretensão inclui 45 imóveis, dos quais 28 já contam com autorização legislativa para que passem por licitação. Outros 17 ainda aguardam autorização dos vereadores. A lista inclui oito terrenos na Barra, que juntos somam uma área de 24,3 mil metros quadrados. O maior deles tem 5,2 mil metros quadrados e fica na Avenida das Américas. A notícia foi detalhada no jornal “O Globo” na versão online e impressa, conforme reprodução abaixo.

Não é a primeira vez que isso ocorre (veja a seguir). Pelo contrário e mesmo sem relação com o pagamento do 13º salário. Em vários casos foi necessário estabelecer índices urbanísticos, pois entre os imóveis colocados anteriormente à venda existiam áreas púbicas non aedificandi.

Uma vergonha urbano-carioca.

Urbe CaRioca

Prefeitura do Rio põe imóveis à venda para pagar 13º salário

Gabriel Sabóia – O Globo – 09 de agosto de 2021

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A Casa Afonso Arinos, na Rua São Clemente, em Botafogo: imóvel histórico está na lista de patrimônios que a prefeitura quer se desfazer este ano. Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

RIO — Para engordar o caixa, a prefeitura do Rio busca uma solução no mercado imobiliário que pode render, de acordo com cálculos do governo, quase meio bilhão de reais. Em jogo, estão 45 prédios e terrenos públicos, localizados em áreas nobres da capital, dos quais o município agora tenta se desfazer. A Secretaria municipal de Fazenda e Planejamento justifica a venda dizendo que o alívio aos cofres permitiria fazer o pagamento do 13º salário dos servidores. Num desses endereços, fica o prédio a Biblioteca Escolar Vinicius de Moraes, na Gávea, incluído no pacote após o governo recuar em relação à negociação do imóvel da Escola Municipal Cícero Penna, na Avenida Atlântica, em Copacabana, que gerou na época protestos de pais, alunos e professores.

Com valor histórico, a Casa Affonso Arinos, em Botafogo, também está na lista, assim como a sede da Guarda Municipal, que fica no mesmo bairro. O conjunto todo de bens é avaliado pelo município em cerca de R$ 440 milhões, valor questionado pela oposição na Câmara Municipal, que ainda critica uma possível falta de transparência nos processos de alienação.

Do total de 45 imóveis, 28 já contam com autorização legislativa para que passem por licitação. Outros 17 ainda aguardam autorização dos vereadores. A lista inclui oito terrenos na Barra, que juntos somam uma área de 24,3 mil metros quadrados. O maior deles tem 5,2 mil metros quadrados e fica na Avenida das Américas.

Para discutir o tema, haverá hoje uma reunião com representantes de diferentes comissões da Câmara. Para que esses espaços possam ser vendidos, basta a maioria absoluta dos votos dos vereadores (26). A relação dos que ainda estão sendo analisados também conta com quatro áreas no Recreio dos Bandeirantes, uma em Jacarepaguá, uma na Cidade Nova, uma em Del Castilho, uma em Botafogo e uma na Gávea.

Secretário municipal de Fazenda e Planejamento, Pedro Paulo Carvalho afirma que a prefeitura não tem planos para ocupar esses imóveis, mas que eles têm liquidez e despertam interesse do mercado.

— O nosso objetivo é, sim, aumentar as receitas e incentivar o mercado imobiliário. A prefeitura e o governo federal são os maiores latifundiários da capital. Não faz sentido que não possamos nos desfazer, estrategicamente, de alguns espaços. Além disso, na lista, há imóveis em péssimo estado de conservação, obtidos judicialmente através de penhoras — diz. — Precisamos fazer dinheiro. Não é possível que tenhamos um ativo imobiliário enorme, sem pagar o 13º salário do funcionalismo público.

Vereadores fazem críticas

Segundo a Fazenda, os bens, juntos, somam uma área de 150 mil metros quadrados. A média de valor do metro quadrado seria de R$ 3 mil. A avaliação foi feita pelo corpo técnico da Subsecretaria de Patrimônio, e os estudos serão entregues à Câmara. A secretaria explica que os cálculos usam métodos previstos nas normas da ABNT para avaliação de bens e partem de valores mínimos, que poderão aumentar durante o processo licitatório caso a procura seja alta.

Vereadores da oposição, no entanto, não só questionam os valores, como afirmam que alguns dos endereços com valor histórico e imaterial só podem ser vendidos com a garantia de que será mantida a natureza do seu uso atual.

— A prefeitura que afirma ter necessidade de vender esses prédios e terrenos é a mesma que, no mês passado, disse ter R$ 4 bilhões em caixa e fez projeções de ter R$ 6 bilhões até o final do ano, equalizando as contas — argumenta o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), com base em números do plano de metas apresentado em julho pelo governo. — Ninguém explicou à Câmara como a escolha desses imóveis foi feita. E, desde o início do ano, temos batido na tecla de que não é possível que achemos normal vender prédios históricos e de uso comunitário. Não somos contra vender alguns imóveis, mas somos contra esse volume de vendas e com tanta pressa.

Pinheiro admite que o governo de Eduardo Paes tem base de apoio na Câmara para aprovar a venda sem dificuldades. Mas, mesmo assim, cobra informações sobre os critérios da precificação. Por meio de requerimento, já foram pedidos os laudos de avaliação. O vereador ainda defende um debate maior sobre a negociação de prédios históricos.

O secretário de Fazenda e Planejamento rebate as críticas e chama de “hipocrisia” toda a polêmica no entorno dos edifícios de valor histórico e uso comunitário:

— A mesma oposição que bradou contra a venda da Escola Cícero Penna pede por melhorias na educação. Com a venda daquela unidade, seria possível reformar dezenas de escolas e construir outras tantas em regiões mais carentes. Isso não foi possível graças a um suposto valor imaterial, uma mentalidade romântica, que será usada agora como argumento. Não estamos destombando nada. Estamos vendendo aquilo que é preciso vender — diz Pedro Paulo. — Política social sem dinheiro é demagogia.

Verbas sem vinculação

A operação de venda dos imóveis não prevê uma vinculação específica das verbas. Os valores obtidos com a alienação de escolas, por exemplo, irão para o caixa da prefeitura e não serão, necessariamente, empenhados na educação.

— Estão tratando como se a prefeitura estivesse vendendo os seus últimos anéis para ficar com os dedos. Mas, usando essa metáfora, quero deixar claro que estamos vendendo apenas bijuterias e anéis de aço. Os cordões, os imóveis que são considerados joias pela prefeitura, seguem preservados — conclui o secretário.

Depois de receber críticas, a prefeitura desistiu, em junho, de vender o terreno ocupado pela Escola Municipal Doutor Cícero Penna. A tentativa foi criticada por educadores, organizações sociais e parlamentares. A Alerj aprovou projeto de lei para tombar o imóvel.

A administração de Eduardo Paes queria vender o terreno de 913 metros quadrados, sugerindo a liberação para construção de um edifício de até 12 andares. Ali funciona uma escola há mais de 50 anos. Professores e alunos da unidade chegaram a realizar atos pela preservação do espaço que serviu como cenário de filmes e novelas e é tido como referência educacional no bairro.

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