No último dia 21, o colunista Ancelmo Gois do jornal O Globo informou que o Projeto de Lei Complementar nº 11/2021 será votado nesta semana. É o apelidado ‘Reviver Centro’ , cuja ementa prega: “Institui o Programa Reviver Centro, que estabelece diretrizes para a requalificação urbana e ambiental, incentivos à conservação e reconversão das edificações existentes e à produção de unidades residenciais na área da II Região Administrativa – II RA, bairros do Centro e Lapa, autoriza a realização de Operação Interligada e dá outras providências”.
O tema foi tratado neste blog em diversas ocasiões (vejam mais ao final desta publicação). De início, a proposta encaminhada ao Executivo recebeu a numeração PLC nº 08/2021, texto que previa isenções fiscais além da citada Operação Interligada (assim chamada), aumento de índices urbanísticos e outras benesses para as construções e reformas na região em questão, e de inúmeros programas contendo bons objetivos e boas intenções, programas ainda a serem regulamentados.
Posteriormente a proposta foi separada. O PLC nº 8/2021 foi substituído pelo PLC nº 11/2021 que se ateve aos índices urbanísticos e à Operação Interligada. As benesses fiscais passaram a integrar um novo Projeto de Lei, o PL nº 190/2021.
O Projeto de Lei Complementar nº 11/2021
As liberalidades voltadas para “reconversão e conservação das edificações existentes e produção de habitação” (seção I do capítulo II) e para “novas edificações residenciais e mistas” (seção II do capítulo II) poderiam surtir algum efeito, pois afrouxam-se diversas regras que valem para o resto da cidade formal. São tentações, portanto, os chamados incentivos que tornam irrestritos índices quanto à área máxima para construir, taxa de ocupação e dimensões mínimas das circulações, por exemplo, e a permissão para ocupar áreas coletivas e ultrapassar os limites de profundidade nas quadras, com desrespeito ao desenho urbano inspirado no Plano Agache, característico do Centro e em alguns outros bairros do Rio de Janeiro.
Mas, o legislador achou pouco. Ou o mercado imobiliário. Ou ambos. Por certo foi o motivo para surgir um capítulo surpresa no PLC, que não constava na minuta apresentada ao Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR) para o devido debate: Capítulo IX – Da Operação Interligada, um ‘jabuti’ – para usar a expressão da moda quando um penduricalho inexplicável surge em uma proposta de lei, explicado detalhadamente pela Professora Sonia Rabello no artigo “Operação Interligada do `Reviver Centro´ no Rio: jabuti não sobe em árvore”. A benesse-mor é explicitada no art. 52 do PLC.
Art. 52 – A construção de nova edificação residencial ou mista ou a reconversão de edificação existente para o uso residencial ou misto na área da II R.A., na forma estabelecida nas Seções I e II do Capítulo II desta Lei Complementar, dará ao proprietário o direito à utilização da Operação Interligada em imóveis localizados na Área de Planejamento – AP 2 e Área de Planejamento – AP 3, como disposto no art. 57 desta Lei Complementar.
Trata-se de tornar sem efeito a restrição imposta pelo art. 448 da Lei Orgânica do Município que limitou a altura dos prédios colados às divisas dos terrenos a 12,00m. Ou seja, além das diversas vantagens concedidas – e mais um pacote de isenções de impostos a caminho – incluiu-se uma manobra duvidosa que pretende ligar as reformas e construções no Centro e na Lapa às novas construções na Zona Sul e na Zona Norte, em bairros que eventualmente, sim, demandem a atualização das leis urbanísticas vigentes, o que só pode ser feito mediante estudo para a totalidade do bairro ou da região e a elaboração de projeto de lei complementar específico para tal.
Art. 448 – Qualquer edificação colada nas divisas não poderá ultrapassar a altura de doze metros, seja qual for o uso da edificação ou do pavimento, admitidas as exceções que a lei estabelecer.
A norma de uso e ocupação do solo (Regulamento de Zoneamento aprovado pelo Decreto nº 322/1976), vigente à época da edição da LOM, embora de caráter geral e à parte críticas consistentes por incentivar em demasia a construção de prédios altos afastados das divisas sem limitar a área construída, continha exceções, por exemplo, para a proteção do Patrimônio Cultural protegido, para o entorno de aeroportos, bem como manteve os gabaritos existentes predominantes no Centro do Rio e nos eixos viários principais dos bairros.
O dispositivo legal em questão, que abrangeu o município inteiro e foi incluído na lei através de uma proposta popular, estabeleceu que todos os prédios colados às divisas (isto é, construções que não guardam distância de todos os limites do terreno) tenham altura máxima de 12,00m. Ainda que o objetivo fosse razoável – garantir luz natural nas ruas e vizinhança próximas – a medida pecou por desconsiderar as características específicas de cada região, bairro, quarteirão ou mesmo uma rua, e a ocupação pré-existente do território edificado conforme as leis vigentes em cada época.
Posteriormente à publicação da LOM, o legislador considerou que, havendo diversos bairros da cidade dotados de Projetos de Estruturação Urbana (PEU), normas urbanísticas recentes as quais, em tese, definiam parâmetros adequados ao Planejamento Urbano conforme conceitos trazidos pelo Plano Urbanístico Básico da Cidade do Rio de Janeiro (PUB-Rio, Decreto Municipal nº 1269/1977), àqueles bairros não caberia aplicar o art. 448. Assim, a Lei nº 1654/1991, regulamentada pelo Decreto nº 9998/91, dispensou a restrição, mantendo-se os gabaritos de altura em vigor decorrentes de revisões da principal lei de uso e ocupação do solo (Dec. nº 322/1976) através de PEU ou de decretos anteriores com as mesmas características.
O legislador também previu que, na medida que elaboradas novas revisões do Dec. nº 322/1976, a altura máxima de 12,00m para as construções coladas às divisas seria substituída pelo índice local fixado para o bairro, conjunto de bairros, ou região.
(Trecho de “Sempre o Gabarito, 2021 – O Centro e a Operação Interligada para a Zona Sul”, Urbe CaRioca 14/04/2021)
O Centro precisa de ações concretas mais do que de concreto
Cabe ressaltar, mais uma vez, que o Centro do Rio precisa de ações que colaborem para reverter o estado de abandono e degradação em que se encontra; e que o uso residencial pode contribuir para tanto. Infelizmente não se tem notícia sobre estudos e uma profunda análise de mercado que comprovem o interesse pela compra ou aluguel das novas unidades residenciais no Centro e na Lapa, lembrando que é permitido construir prédios residenciais e, por conseguinte, transformar o uso dos prédios comerciais desde a edição da Lei nº 2236/1994. Passados mais de vinte e cinco anos, as esperadas residências nunca surgiram. Do mesmo modo, na Zona Portuária, onde os “incentivos” foram os mesmos – gabaritos altos e isenções fiscais – ainda temos um grande vazio. À parte questões econômicas e financeiras, a velha Lei da Oferta e da Procura parece prevalecer.
Centro x Zona Sul e Zona Norte
É intrigante que uma proposta que inicialmente previa modificações nas normas de construção vigentes para o Centro do Rio tenha sido alterada, inserindo-se uma estranha triangulação com a Zona Sul e com a Zona Norte, sem a apresentação de estudos de viabilidade econômica ou algum embasamento técnico sobre resultados positivos para o Centro, sob pena de que surjam novas construções em Copacabana e Ipanema – onde haverá demanda – e os edifícios do Centro permaneçam desabitados.
Repetição de fórmulas x Conceitos
Conforme mostrado, a proposta contém as mesmas fórmulas usadas anteriormente com resultados duvidosos: aumentar índices construtivos e conceder isenções fiscais (v. PL nº 190/2021).
A considerar as análises feitas nos artigos citados, podemos afirmar que o PLC nº 11/2021 é: (1) Inadequado, pois possíveis distorções provocadas pelo art. 448 da LOM devem ser resolvidas por bairro com normas locais e com respeito ao Plano Diretor; (2) Inoportuno, por ser proposta de lei isolada que surge na época de revisão do Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, ao qual deve se subordinar; e, (3) possivelmente, Ineficaz, ao depreender que os interessados em construir na Zona Sul e na Zona Norte terão capacidade de investir simultaneamente em dois ou mais bairros, sem garantia de que o mercado comprador absorverá as residências criadas no Centro, tanto as construídas quanto as salas comerciais disponíveis para habitar.
Obviamente exigir “habite-se” simultâneos – da edificação situada no Centro e da que o empreendedor terá o direito de construir na Zona Sul e na Zona Norte -, é mecanismo duvidoso. Vide os hotéis olímpicos que não ficaram prontos no prazo estabelecido e as várias prorrogações de prazo concedidas, mantidas as isenções fiscais concedidas.
Boa sorte, Centro. Boa sorte, Rio
Sem considerar possíveis questionamentos sobre as benesses urbanísticas apenas para a área central, e os chamados incentivos fiscais – impostos que podem fazer falta, por certo a primeira versão do projeto Reviver Centro apresentada ao COMPUR continha objetivos interessantes, concretizáveis ou não. A Operação Interligada enxertada às escuras no texto enviado à Câmara, porém, retirou qualquer mérito que poderia haver.
Porque é provável que ambos os PLCs sejam aprovados pelos Excelentíssimos Senhores Vereadores, do mesmo modo que o PEU Vargens, o famigerado Campo de Golfe Olímpico, as Leis da Mais-Valia cada vez mais ampliadas e perniciosas, e o novo-velho Código de Obras recentemente editado, só resta a este blog desejar sorte à Cidade e à sua população.
Saúde a todos os cariocas.
Urbe CaRioca
NOTA: É incompreensível chegar-se ao detalhe de dispensar instalação de gás “que deverá ser substituída por instalação adequada à utilização de fogão elétrico”, justamente onde se espera atrair o uso residencial inclusive criando-se um programa de locação social para famílias com renda até seis salários-mínimos ou qualificadas para os programas de habitação do Governo Federal, sabendo-se que o custo do gás é muito inferior ao da energia elétrica.
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